quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dossiê Pagu - II

Lendas, mitos, curiosidades, declarações e depoimentos sobre Pagu e Patrícia Galvão

Patrícia Rehder Galvão nasceu no interior de São Paulo, em São João da Boa Vista, no dia 9 de junho de 1910 e morreu em Santos, em dezembro de 1962. Pagu teve existência mais breve: viveu apenas de 1929 a 1940. Nasceu já com 18 anos. Patrícia extinguiu o personagem quando ambas tinham 30.

O apelido nacionalmente conhecido foi criado por Raul Bopp, que levou a normalista de 18 anos ao salão da Alameda Barão de Piracicaba, onde Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral recebiam seus amigos. Apresentou-a: “Esta é a Pagu”; todos se encantaram. Foi só no fim da noite que ela mesma lhe perguntou: “Por que Pagu?”. Bopp respondeu que juntara as primeiras sílabas dos seus dois nomes: Patrícia e Gusmão. “Mas sou Galvão, não Gusmão!”. Tarde demais: a essa altura ela já se tornara irrevogavelmente Pagu para os modernistas paulistanos.

Essa foi a história que sempre ouvi. Entretanto, hoje, todas as fontes que contam a origem do apelido informam que a confusão de Bopp se deu, sim, mas com o sobrenome Goulart. Será? Um poeta como Bopp, alguém com o ouvido afinado para o som das palavras, confundiria Galvão e Goulart, que sequer rimam?

Encantado com os olhos verdes da estudante, Raul Bopp compôs para ela o Coco de Pagu, mais tarde publicado em Cobra Norato apenas com o título Coco . O poema foi dedicado “ao Di”, na forma original, como saiu na revista Para Todos , acompanhado por uma ilustração de Di Cavalcanti:

CÔCO DE PAGU

Ao Di

Pagu tem os olhos molles
Olhos de não sei o quê
Si a gente está perto delles
A alma começa a doer
Ai Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Pagú! Pagú!
Não sei o que você tem.
A gente, queira ou não queira,
Fica lê querendo bem.
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Você tem corpo de cobra
Onduladinho e insolente
Dum veneninho gostoso
Que dóe na bocca da gente
Ai Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Eu quero você pra mim,
Não sei se você me quer,
Se quiser ir pra bem longe
Vou pronde você quiser.
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Mas si quiser tá pertinho
Bem pertosinho daqui
Então... você pode vir
Ai... ti ti ti, ri ri-ri... ih...
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Apesar da mistura de estrofes pontuadas e não pontuadas, essa versão soa hoje superior à definitiva (publicada em Cobra Norato e facilmente encontrável na internet através de qualquer mecanismo de busca).

Raul Bopp conheceu a estudante através de Olympio Guilherme, antiga paixão de Pagu, que entregara-se a ele antes de completar 12 anos, como conta na carta a Geraldo Ferraz. No entanto, ela diz: “não houve a menor violência de Olympio, nessa posse provocada por mim”. Ao mesmo tempo que conta isso, afirma: “não tive precocidade sexual. [...] Eu era apenas uma criança. E só queria amar. [...] Olympio não me amava. Tinha uma situação complicada, que não queria desmanchar socialmente”. Aos 14 anos, um aborto. Depreende-se do relato que a família ignorava a razão de Patrícia ter ficado de cama por quase um ano. “Mamãe, as noites comigo. Nenhuma solidão. Só a palavra amiga de Guilherme de Almeida, que de tudo sabia”.

Uma das coisas que Pagu não conta, em sua autobiografia, é que participou, em 1927, de um Concurso Fotogênico de Beleza Feminina e Varonil promovido pela Fox Film com a intenção de formar pares de atores. Os vencedores, que viajaram em seguida para Hollywood, foram Olympio Guilherme e Horácia de Moraes – que veio a assumir o nome artístico de Lia Torá. Pagu demonstra despeito ao publicar uma foto de Lia no jornal O Homem do Povo, que editava com Oswald, com a legenda “A Fracassada”, na coluna Palco Tela - E - Picadeiro, em matéria assinada Piolim.

Ela praticamente ignora, também, no seu relato a Geraldo, a relação com o casal Oswald e Tarsila, que parece tão importante para os estudiosos do modernismo. É preciso buscar noutras fontes essa faceta do retrato de Pagu.

Artigo de Camila Ventura Fresca, publicado no site Vidas Lusófonas, cita depoimento de Flávio de Carvalho, de 1964, que fala de Pagu como “uma colegial que Tarsila e Oswald resolveram transformar em boneca. Vestiam-na, calçavam-na, penteavam-na, até que se tornasse uma santa flutuando sobre as nuvens”. O mesmo artigo dá uma descrição de Pagu por “um estudante de Direito da época”: “Uma menina forte e bonita, que andava sempre muito extravagantemente maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor de queijo Palmyra, e pintava os lábios de quase roxo, tinha um cabelo comprido, assim pelos ombros, e andava com o cabelo sempre desgrenhado e com grandes argolas na orelha. Passava sempre lá pela faculdade, de uniforme de normalista. E os estudantes buliam muito com ela, diziam muita gracinha pra ela [...] faziam muita piada e ela respondia à altura, porque não tinha papas na língua para responder”.

Em março de 1929, Pagu inicia, com desenhos, sua colaboração na chamada ‘segunda dentição’ da Revista de Antropofagia . Em junho, para espanto de sua família, aparece no Teatro Municipal de São Paulo, vestida por Tarsila, declamando poemas numa festa em homenagem a Didi Caillet – Miss Paraná daquele ano, escritora, musa dos futuristas paranaenses, precursora do feminismo, conhecida por hábitos revolucionários como o de dirigir automóveis sozinha.

Sydéria Galvão, irmã de Pagu, assim descreve o evento: “Foi muito engraçado esse dia. Nós fomos a esta festa, eu, mamãe e papai, mas a Pat não estava com a gente, ela tinha ido na casa de Oswald com Tarsila. De repente, a gente viu numa frisa – a gente estava na platéia – a Pat com Tarsila e tudo, completamente irreconhecível. A gente dizia ‘é a Pat, não é a Pat’ (a gente não a chamava de Pat, mas de Zazá, que ela odiava), mas a gente não entendia porque ela estava maquiada, de um jeito diferente. Eu não gostei, achei mais feia do que ela era, muito sofisticada pelo meu gosto, eu era menina naquele tempo, não gostei mesmo. Daí ela declamou aquelas coisas, porque tinha conhecido a Didi Caillet na casa de Tarsila, tinha aquele lero-lero de Didi Caillet ser intelectual...”.

Como se vê, antes de se tornar Pagu, Patrícia era chamada de Zazá pela família. E quando deixou de ser Pagu passou a ser Pat. Ao longo de sua carreira, usou muitos outros nomes, desde os 15 anos, quando começou a assinar artigos para o Brás Jornal como Patsy.

Em agosto de 1929, Clovis de Gusmão publica na revista Para Todos uma matéria sobre a exposição de Tarsila do Amaral no Rio de Janeiro. Nela inclui uma entrevista breve com Pagu, a quem chama de “habitante do mundo Tarsila”, que “encantou a todos pela graça, pela intelligencia e pela ingenuidade”:

– Que é que você pensa, Pagu, da antropofagia?

– Eu não penso: eu gosto.

– Tem algum livro a publicar?

– Tenho, a não publicar: Os 60 Poemas Censurados, que eu dediquei ao doutor Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagu – Vida, Paixão e Morte, em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim.

– Quais são suas admirações?

– Tarsila, Padre Cícero, Lampião e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.

(Informações: Pagu é a criatura mais bonita do mundo – "depois de Tarsila", diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo.)


A matéria era ilustrada por um retrato de Tarsila feito por Pagu.

De 24 de maio de 1929 a 2 de junho de 1931, Oswald de Andrade manteve com Pagu um diário a quatro mãos que intitulou de O romance da epoca anarchista ou Livro das horas de Pagu que são minhas. Lembra, de certa forma, O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo, diário coletivo escrito pelos freqüentadores da garçonnière mantida por ele entre 1918 e 1919. Chama atenção a disparidade entre as entradas feitas por Oswald e por Pagu nesse diário. Lendo-as, não há como não acreditar no que ela escreveu para Geraldo Ferraz: “eu não amava Oswald”. Numa página, ela escreve: “um pouco mais de tédio”; noutra, “acabou-se o entusiasmo” e numa terceira “V. não pode comigo, vou arranjar outro”. Embaixo, Oswald respondeu: “Eu mesmo arranjo”. No dia 30 de janeiro de 1930, Oswald escreve: “Nesta data contrataram casamento a jovem amorosa Patricia Galvão e o crápula forte Oswald de Andrade. Foi deante do tumulo do cemitério da Consolação... etc ”. Ao longo de cinco páginas ele declara seu amor: “Se Pagu soubesse o que tem sido a minha vida desde maio! Só tel-a, só merecel-a, só alcançal-a. [...] Quantas noites passei pensando nella! Quantas manhãs acordei os olhos nella”. Quando Pagu deixa a família, por exigência do PCB, Oswald escreve: “Bebê – Separado, serei teu melhor marido. A casa de Rudá é a tua casa”. E assina: “Seu Andrade”. Pagu, por sua vez, responde noutra página: “Guarde o Rudá pra mim. Guarde você pro Rudá. Guardemo-nos para a Revolução”.

O nome de Rudá é um mistério que esperei ver esclarecido nas memórias de Pagu. Mas ela não toca no assunto da escolha do nome do primogênito. O que diz a lenda é que ele foi batizado como Lança Perfume Rodo Metallico de Andrade, e Rudá é um apelido baseado na marca Rhodia, fabricante do lança-perfume. Isso me foi confirmado tanto por escritores que hoje têm entre 80 e 90 anos, contemporâneos de Pagu, como por uma prima dela, da mesma idade. No entanto, o nome que aparece em todas as fontes impressas consultadas é Rudá Poronominare Galvão de Andrade.

Outras informações para as quais não encontrei comprovação: inúmeras fontes afirmam que Pagu entrevistou Freud, em alto-mar, durante sua viagem para o Japão, e também Pu-Yi, o último imperador chinês. Mas nenhuma dessas fontes vai além da pura e simples afirmação. Não dizem onde as entrevistas foram publicadas, nem citam frase nenhuma que tenha sido dita por um dos dois ilustres personagens a Pagu. Como ela escreveu muito sobre essa viagem a Geraldo Ferraz, fica a impressão de que essas entrevistas não ocorreram. Afinal, ela menciona na carta ter conhecido, noutra viagem, o poeta uruguaio Zorilla de San Martín.

A última lenda sobre Pagu diz respeito... à soja! Inúmeros sites atribuem a ela o mérito de ter trazido ao Brasil as primeiras sementes de soja. A revista Bonifácio, uma publicação do Instituto José Bonifácio, ligado ao PCdoB, garante, no seu número 5, que “Coube a Patrícia Galvão, a Pagu, poetisa e romancista, e a Raul Bopp, diplomata e autor do esplêndido poema Cobra Norato, a proeza de transplantar do Oriente para os trópicos esta leguminosa que hoje gera o principal produto de exportação do País”.

De fato, Bopp contou, em Bopp passado-a-limpo por ele mesmo, de 1972, que “Pagu fez relações de amizade com Mme. Takahashi, de nacionalidade francesa, casada com o Diretor da South Manchurian Railway (verdadeira potência dentro do novo Império manchu, criado sob a égide do Japão). Com a influência de sua amiga, Pagu tinha fácil acesso ao Palácio de Hsingking. Conversava informalmente com o jovem imperador Puhy. Ambos pedalavam as bicicletas, dentro do parque amuralhado da residência Imperial. Quando, numa das suas viagens a Cobe, Pagu me narrou o ambiente de familiaridade que existia em Hsingking, pedi que ela procurasse arranjar com Puhy algumas sementes selecionadas de feijão-soja. Depois de algumas semanas, foram entregues no Consulado, procedentes da Manchúria, 19 saquinhos de sementes dessa leguminosa, que foram enviadas ao Embaixador Alencastro Guimarães, oficial do gabinete do Ministro das Relações Exteriores, Dr.Afrânio de Mello Franco. Esse diplomata, sem perda de tempo, enviou-as ao Ministro da Agricultura de aclimatação, em São Paulo”.

O site da EMBRAPA, no entanto, diz que "a soja chegou ao Brasil via Estados Unidos, em 1882. [..] Em 1891, testes de adaptação [...] foram realizados no Instituto Agronômico de Campinas, Estado de São Paulo (SP). [...] Em 1900 e 1901, o Instituto Agronômico de Campinas, SP, promoveu a primeira distribuição de sementes de soja para produtores paulistas e, nessa mesma data, tem-se registro do primeiro cultivo de soja no Rio Grande do Sul (RS), onde a cultura encontrou efetivas condições para se desenvolver e expandir, dadas as semelhanças climáticas do ecossistema de origem (sul dos EUA) dos materiais genéticos existentes no País, com as condições climáticas predominantes no extremo sul do Brasil."

Como Pagu nasceu em 1910, conclui-se que o cultivo da soja já estava bem avançado quando chegaram as sementes que entregou a Raul Bopp. De qualquer forma, a Embrapa nem sequer menciona os nomes dos dois escritores.

Estas páginas dedicaram-se a Pagu. A jornalista Patrícia Galvão, companheira de Geraldo Ferraz, que brilha no jornalismo cultural a partir de 1940, que se candidata pelo Partido Socialista Brasileiro a uma vaga na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e se dedica ao teatro, sob a orientação de Alfredo Mesquita, não teve espaço neste dossiê.

B.V.

2 comentários:

  1. José Eduardo Oliveira De Vincenzo8 de julho de 2010 às 09:09

    Tá uma baguncinha, em forma, não em conteúdo, este artigo sobre a Pagu.

    Pelo menos para mim, aparecem vários trechos duplicados.

    Sobre a Pagu, em si, o que mais me chama a atenção é o apelido Pagu, que me aparenta ser muito forte, sozinho capaz de impulsionar uma pessoa no tempo, na história.

    Claro que ela, em si, teve mais importância que o nome, mas esse nome foi muito importante para a travessia no tempo, ele é muito forte.

    Beijos ...

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  2. É verdade, Vince... agora q vim visitar a pg pra acrescentar umas fotos vi q tinha mta coisa duplicada.
    Já acertei isso... mas não estou conseguindo pôr as imagens. Acho q o Blogger tá meio doidão.
    Depois tento de novo!

    abraç aí!

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