quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Diálogo com marido indo pro trabalho

— Tchau.
— Tchau. Cuida do meu homem.
— Eu não! Vou ficar cuidando de homem?
— Mas é meu!
— E daí? Problema seu. Cuida você.
— Ah, cuida, vá. Por solidariedade.
— Tá bom.... tá bom! Tudo eu!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Uma tradução de Les Djinns de Victor Hugo



No prefácio de Les Orientales, de 1829, considerado por críticos da época mais importante do que o livro, Victor Hugo defendia a ‘poesia inútil’: a arte pela arte. O direito do poeta de escrever sem motivo, levado apenas pela fantasia.

A crítica habituada a um Hugo engajado considerou o livro mero exercício de versificação. Hugo diz no prefácio: “Se a alguém ocorrer perguntar ao poeta ‘Para que servem estes Orientais? O que lhe deu a idéia de ir passear pelo Oriente por um volume inteiro? O que significa este livro inútil de pura poesia, jogado em meio às graves preocupações do público? Oriente rima com quê?’ Ele responderá que não sabe, que foi uma idéia que se apoderou dele, e apoderou-se de forma ridícula, ao ver um pôr-do-sol.”

Les Orientales desenha um mundo árabe violento, terrível (e, ao mesmo tempo, em alguns poemas, feliz). Palavras como sang, bataille, terreur saltam do livro povoado por pachás, sultanas e derviches, em cenários como o Egito, a Turquia e sua capital, Istambul. A figura mítica dos djinns, de que o poeta fala de passagem no poema Clair de Lune, é o tema deste:

XXVIII - Les djinns

Murs, ville,
Et port,
Asile
De mort,
Mer grise
Où brise
La brise,
Tout dort.

Dans la plaine
Naît un bruit.
C'est l'haleine
De la nuit.
Elle brame
Comme une âme
Qu'une flamme
Toujours suit!

La voix plus haute
Semble un grelot.
D'un nain qui saute
C'est le galop.
Il fuit, s'élance,
Puis en cadence
Sur un pied danse
Au bout d'un flot.

La rumeur approche.
L'écho la redit.
C'est comme la cloche
D'un couvent maudit;
Comme un bruit de foule,
Qui tonne et qui roule,
Et tantôt s'écroule,
Et tantôt grandit,

Dieu ! la voix sépulcrale
Des Djinns !... Quel bruit ils font!
Fuyons sous la spirale
De l'escalier profond.
Déjà s'éteint ma lampe,
Et l'ombre de la rampe,
Qui le long du mur rampe,
Monte jusqu'au plafond.

C'est l'essaim des Djinns qui passe,
Et tourbillonne en sifflant!
Les ifs, que leur vol fracasse,
Craquent comme un pin brûlant.
Leur troupeau, lourd et rapide,
Volant dans l'espace vide,
Semble un nuage livide
Qui porte un éclair au flanc.

Ils sont tout près ! - Tenons fermée
Cette salle, où nous les narguons.
Quel bruit dehors ! Hideuse armée
De vampires et de dragons!
La poutre du toit descellée
Ploie ainsi qu'une herbe mouillée,
Et la vieille porte rouillée
Tremble, à déraciner ses gonds!

Cris de l'enfer ! voix qui hurle et qui pleure!
L'horrible essaim, poussé par l'aquilon,
Sans doute, ô ciel ! s'abat sur ma demeure.
Le mur fléchit sous le noir bataillon.
La maison crie et chancelle penchée,
Et l'on dirait que, du sol arrachée,
Ainsi qu'il chasse une feuille séchée,
Le vent la roule avec leur tourbillon!

Prophète ! si ta main me sauve
De ces impurs démons des soirs,
J'irai prosterner mon front chauve
Devant tes sacrés encensoirs!
Fais que sur ces portes fidèles
Meure leur souffle d'étincelles,
Et qu'en vain l'ongle de leurs ailes
Grince et crie à ces vitraux noirs!

Ils sont passés ! - Leur cohorte
S'envole, et fuit, et leurs pieds
Cessent de battre ma porte
De leurs coups multipliés.
L'air est plein d'un bruit de chaînes,
Et dans les forêts prochaines
Frissonnent tous les grands chênes,
Sous leur vol de feu pliés!

De leurs ailes lointaines
Le battement décroît,
Si confus dans les plaines,
Si faible, que l'on croit
Ouïr la sauterelle
Crier d'une voix grêle,
Ou pétiller la grêle
Sur le plomb d'un vieux toit.

D'étranges syllabes
Nous viennent encor; -
Ainsi, des Arabes
Quand sonne le cor,
Un chant sur la grève
Par instants s'élève,
Et l'enfant qui rêve
Fait des rêves d'or.

Les Djinns funèbres,
Fils du trépas,
Dans les ténèbres
Pressent leurs pas;
Leur essaim gronde:
Ainsi, profonde,
Murmure une onde
Qu'on ne voit pas.

Ce bruit vague
Qui s'endort,
C'est la vague
Sur le bord;
C'est la plainte
Presque éteinte
D'une sainte
Pour un mort.

On doute
La nuit...
J'écoute: -
Tout fuit,
Tout passe
L'espace
Efface
Le bruit.


A métrica é pouco usual, talvez única: quinze oitavas, das quais a primeira tem versos de duas sílabas, a segunda de três – e a quantidade de versos cresce de estrofe em estrofe, até a oitava delas, quando começa a decrescer até voltar aos versos de duas sílabas. Ou seja: as estrofes têm versos de 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 sílabas. (Por que Hugo teria rejeitado as estrofes de nove sílabas?)



Tradução:
XXVIII - Os djinns

Paredes,
Cidade
E portos,
Hospício
De mortos,
Mar cinza:
A brisa
Lá dorme.

Na planície,
um ruído.
É a treva
que respira.
Ela clama
como alma
que uma flama
sempre segue.

A voz mais alta
Soa qual guizo
De anão que salta,
Corre a galope
Foge, se exalta
Depois, no ritmo,
Sobre uma onda
Se equilibra.

O ruído próximo.
O eco o reprisa.
É como o relógio
De um templo maldito
Ruído da turba
Que estrondeia e gira
E às vezes se anula
E às vezes se amplia.

Deus! A voz sepulcral
desses Djinns!... Que alarido!
Fujamos na espiral
Das escadas sombrias.
Já se apagam as luzes:
Eis que as sombras das sebes
Que circundam o muro
Sobem até o teto.

É o enxame dos Djinns que passa,
Turbilhona e assobia!
Árvores, façam que caiam,
Crepitem, pinus, em chamas.
Pesado e rápido bando
Voam no espaço vazio,
Lembrando uma nuvem lívida
Que leva ao lombo um relâmpago.

Perto demais! Melhor fechar
A sala, fingir que não vimos.
Que ruído, fora! Medonha
Horda de dragões e vampiros!
A viga do teto está solta,
Pinga como planta encharcada
E a velha porta enferrujada
Trepida a soltar-se dos gonzos.

Gritos do inferno! Voz que urra e que chora!
Horrível enxame, ao vento do norte
-- Sem dúvida, céus! -- cai em meu telhado,
Cede a parede sob a negra hoste
A casa grita e, inclinada, oscila,
Dir-se-ia que, do solo arrancada,
O vento a gira com seu turbilhão,
Como se erguesse uma folha do chão.

Profeta! se tua mão me salva
dos impuros demos das trevas,
prosternarei a testa calva
em teus sagrados incensários!
Faz com que estas portas fiéis
Matem seu sopro de centelhas,
E que em vão as unhas das asas
risquem estes negros vitrais!

Já passaram! Sua tropa
Se vai, e foge, e seus pés
Param de chutar a porta
Com multiplicados golpes.
O ar se enche do som
De correntes. Nas florestas
Os grandes carvalhos tremem,
Dobrados sob seu vôo.

De suas longes asas
Decresce o batimento,
Se perde nas planícies
Tão fraco que se crê
Ouvir um gafanhoto
Gritar com fraca voz,
Ou um som de granizo
Sobre o zinco do teto.

Sílabas estranhas
Chegam-nos ainda:
Assim como quando
Ao som do clarim
Os árabes cantam
Um canto tristonho,
A criança sonha
Um sonho sem fim.

Os Djinns funéreos,
Filhos do mal,
Dentro das trevas
Andam mais rápido
O enxame ronca
Assim, intenso,
Múrmura onda
Que não se vê.

O som vago
Que já dorme
É a vaga
Junto à orla
É o choro
Quase findo
De uma santa
Por quem morre.

Na dúvida
A noite
Escuto:
Já foi-se,
Já passa.
O espaço
Embaça
O som.


Analisando a tradução

Não tem sentido traduzir Les djinns sem respeitar a métrica, já que ela, de certa forma, “é” o poema. Mas respeitá-la e manter, ao mesmo tempo, tanto o esquema de rimas como o conteúdo integral é impossível.

Quem traduz poesia tem de escolher entre privilegiar o significado ou a forma. Nesta tradução de Les djinns, procurei manter a métrica – que é a característica mais marcante do poema – e o significado dos versos. Mas não obedeci ao esquema de rimas ababcccb que Victor Hugo adotou.
Não conheço outra tradução para o português.

Trago aqui a primeira estrofe de uma versão para o inglês de John L. O'Sullivan, contemporâneo de Victor Hugo, que manteve o esquema de rimas em detrimento do significado:

Town, tower/ Shore, deep,/ Where lower/ Cliff's steep;/ Waves gray,/ Where play/ Winds gay,/All sleep[1]. Vê-se que O'Sullivan introduziu torres e rochedos inexistentes no original, adjetivou os ventos como alegres, destoando do tom sombrio do poema, e abandonou os “mortos”, que não aparecem na sua versão nem em hospícios, nem em asilos. Em compensação, foi fiel ao esquema de rimas.

O original (Murs, ville,/ Et port,/ Asile/ De mort,/ Mer grise/ Où brise/ La brise,/ Tout dort) seria, ao pé da letra: Muros, cidade/ e porto,/ hospício[2]/ de morto/ mar cinza,/ onde se quebra/ a brisa,/ tudo dorme[3].

Para a tradução deste poema, não encontrei solução que permitisse deixar “murs, ville” – muros, cidade – no mesmo verso, mantendo as duas sílabas do verso original. Em português, mesmo a evidente e compacta “muros, vila” já teria três sílabas. A saída foi optar por palavras com duas sílabas poéticas, deixando-as em versos diferentes: “paredes/ cidade”. Lembrando que mur, em francês, designa tanto muro quanto parede. Com essa opção, gastam-se dois versos para dizer o que Hugo disse em um, e em conseqüência algo se perde nos versos seguintes. No caso, o que deixei de lado foi a “quebra” da brisa.

Problemas semelhantes surgem, evidentemente, em cada estrofe de qualquer poema que se pretenda traduzir, e a cada dificuldade é preciso optar por manter ou perder significado, ritmo, sonoridade, métrica ou rima.


Gênios, demônios e djinns

Na mitologia da Grécia antiga, acreditava-se que a cada pessoa era designado um daimon para lhe servir de guardião por toda a vida. A palavra latina para esse mesmo ser mitológico – um semi-deus que presidiria ao nascimento de cada pessoa e a acompanharia em todas as ocasiões – era genius, o espírito tutelar que, acreditava-se, determinava a personalidade e o caráter de seu protegido. Genius deriva do verbo gignere[4], que significa conceber, originar, criar, dar vida, dar à luz.

Mas o latim emprestou do grego a palavra daimon, grafando-a daemon (dæmon), inicialmente com o significado de ‘espírito’ e, mais tarde de ‘mau espírito’.

Por outro lado, no início do século XV o idioma inglês tomou do latim o termo genius, dando-lhe o significado de ‘espírito protetor’. Quase 200 anos depois, em 1595, sir Philip Sidney, poeta inglês, usou a palavra para referir-se à vocação de uma pessoa: “A Poet, no industrie can make, if his owne genius bee not carried vnto it”. Numa tradução muito livre, “nada pode fazer de alguém um Poeta, a não ser seu próprio gênio”.

No século seguinte, a palavra estendeu-se dos poetas a outros artistas de diversas áreas.

Na Inglaterra do século XVIII, os Românticos passaram a usá-la com o significado de uma capacidade intelectual inata, voltada especialmente para atividades criativas. Nesse mesmo século, Antoine Galland traduziu para o francês o clássico da literatura oriental As Mil e Uma Noites (foi a primeira versão feita para o ocidente) em que aparece o termo árabe djinn com o significado de espírito ou demônio. Galland, que usa o plural djinniy, traduziu djinn para o francês, criando o então neologismo génie. Os ingleses adotaram essa grafia – sem acento, é claro – para designar uma figura mítica como o gênio da lâmpada de Aladim: genie (pronuncia-se em inglês justamente djiniy) A série de TV Jeannie é um Gênio brinca com esse vocábulo, num trocadilho com o nome próprio feminino que tem a mesma pronúncia.

Os árabes, no período pré-islâmico, davam grande valor aos poetas. Acreditavam que cada poeta é possuído por um djinn que lhe dita os versos, independente de sua vontade. Os poeta tinham nas tribos uma estatura social importante, e eram recompensados pelos poemas que ofereciam. Entre outros privilégios, não eram obrigados a pagar o dote de sua noiva, prerrogativa que não era concedida nem mesmo aos príncipes.

(Maomé, que resistiu o quanto pôde à voz que lhe sussurrava a ‘revelação’ do livro sagrado, talvez tenha sido um poeta que se acreditou profeta. Durante vinte anos ‘recebeu’ os versículos do que hoje compõe o Corão, acreditando que lhe eram sussurrados pelo anjo Gabriel, quando na verdade tratava-se provavelmente de um djinn em ação.)

Victor Hugo, que escreveu seus versos ‘dormindo’ – eles lhe vinham em sonhos, como acontece a tantos poetas – provavelmente sentia-se assombrado por djinns. A descrição que fez deles nesse poema, seres terríveis, mostra como é pouco confortável para o poeta o transe que produz o poema.

Bibliografia:
LURKER, Manfred. Dicionário dos deuses e demônios. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
GUIMARÃES, Ruth. Dicionário da Mitologia Grega. São Paulo: Cultrix, 1995.
GRANT, Richard B. Sequence and theme in Victor Hugo's Les Orientales. PMLA, Vol. 94, No. 5 (Oct., 1979), pp. 894-908
KACIRK, Jeffrey. Forgotten english. Nova Iorque: Quill,1997.
WEBSTER’S Word histories. Springfield: Merriam Webster Inc., 1989.

Sites:
http://www.mundoislamico.com/mohammad.htm
Prefácio de Les Orientales: http://static.scribd.com/docs/8992gzt8s54ll.swf
Les Orientales - poema original disponível na íntegra em:
http://www.chez.com/lyres/Hugo/orientales/Hugo0rient1.htm
ou em
http://fr.wikisource.org/wiki/Les_Orientales
Íntegra da tradução de John L. O'Sullivan para o inglês:
http://www.johannes-eva.net/index.php?page=hugo_en

[1] Tradução: Cidade, torre,/ praia, profundeza,/ onde os mais baixos/ rochedos tornam-se íngremes,/ ondas cinzentas,/ onde brincam/ ventos alegres/ todos dormem.
[2] Asile, no século XIX, referia-se apenas a hospício (asile d'aliénés, asile de fous).
[3] “ Tout dort” significa “tudo dorme”. “All sleep”, como está na tradução de O’Sullivan, é “todos dormem”. as “todos dormem”, em francês, seria “tous dorment”. Em inglês, para manter esse significado original, seria preciso dizer “everything sleeps” – o que arruinaria a métrica. Em português, qualquer das duas formas (tudo ou todos) quebraria as duas sílabas do verso. Optei por “Lá dorme”, para resgatar o “Où” (onde) do original.
[4] gigno, gignere, genui, genitus

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Humanos versus araras...


Quando o casal de ararinhas se instalou no forro da nossa casa, em Campos do Jordão, achamos legal. Era primavera, imaginamos que iriam botar ovos lá e logo teríamos uma ninhada colorida voando pelo jardim. A araras saíam, pousavam nos fios elétricos e nos postes, namoravam, ensinavam os filhotes a voar.


Pensamos que depois de criada a prole o casal iria para outro lugar. Mas não. Ficaram por ali mesmo. Aí começaram a incomodar, porque fazem barulho, à noite. Ouvíamos as patinhas andando pelo forro, e um tic-tic que parecia o som de sementes sendo descascadas.


Começamos a achar que devia estar ficando muito sujo lá em cima, com cascas de sementes e dejetos de aves. Mas ainda não fizemos nada. Veio o inverno, elas não voaram para um lugar mais quente. Veio outra primavera, outra ninhada. Ficaram por lá Até que, em outubro, quando eu estava na Alemanha e meu marido foi sozinho para Campos, houve um curto-circuito.


Ele e o caseiro foram investigar a causa e descobriram que as ararinhas tinham desencapado a fiação elétrica. Esse era o som que ouvíamos, à noite. Toda a eletricidade da casa foi pra cucuia. Mas sujeira não havia: estava tudo limpinho, exceto por uma ou outra pena colorida largada no forro.


Eles taparam o ponto do beiral que imaginaram ser a entrada das aves, mas, com pena de desalojar os bichinhos, fizeram uma casinha para eles, ao lado, sob o telhado. Nico, o caseiro, é um marceneiro habilidoso.


Uma casa de passarinho pendurada na fachada de uma casa é meio kitsch, né? Mas tudo bem, estamos no meio da mata, a casa é de madeira.. Combina.


No começo, ficamos felizes por ver que as araras não foram embora: pareciam estar usando a casinha: ainda as víamos pousadas nos fios em frente de casa. Mas logo percebemos que os ruídos no forro continuavam: de algum jeito, elas continuavam entrando.


Todas as possíveis entradas foram sendo cobertas. A cada vez que elas saíam para voar por aí, Nico aproveitava e fechava mais uma fresta. Como bom marceneiro, chegou a recortar as tábuas de forma a acompanhar os recortes do madeirame do beiral. Fez isso de um lado, depois de outro. Não adiantou. Os ruídos no forro, à noite, continuaram. Agora sabemos exatamente o que significa aquele tlec-tlec-tic-tic: não são sementes, são os fios sendo desencapados. Qualquer dia essas aves morrem eletrocutadas...


Meu marido concluiu que elas só podiam estar entrando pelo outro lado do telhado. Mas, olhando por fora, parece não haver comunicação entre as duas águas, que ficam em níveis diferentes. Ok. Cobriram o beiral do outro lado. Adivinha se isto as impediu de entrar!...


Então ele fechou com duas ripinhas finas um lugar por onde, talvez, elas coubessem – por mais difícil que seja acrditar nisso, por que é uma frestazinha na madeira. Continuaram entrando. Ele martelou as ripas, que antes estavam só ajustadas. E o casal emplumado nem tchum. Toda noite estão lá, no animado tic-tlec.


Agora, olhando bem, ele viu uma passagenzinha junto à cumieira. “Mas você acha que é por lá que estão entrando?” “Sei lá! Só pode ser! É a única passagem que sobrou!”


Esta última passagem ainda não foi fechada... Mas será, hoje à tarde. Vai adiantar?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Citando Maitê Proença

"Não tenho medo porque sou do tipo que cresce na adversidade. Me dê um problema que eu crio asas."
(Maitê Proença em entrevista a Sonia Racy no Estadão de hj.)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dossiê Pagu - II

Lendas, mitos, curiosidades, declarações e depoimentos sobre Pagu e Patrícia Galvão

Patrícia Rehder Galvão nasceu no interior de São Paulo, em São João da Boa Vista, no dia 9 de junho de 1910 e morreu em Santos, em dezembro de 1962. Pagu teve existência mais breve: viveu apenas de 1929 a 1940. Nasceu já com 18 anos. Patrícia extinguiu o personagem quando ambas tinham 30.

O apelido nacionalmente conhecido foi criado por Raul Bopp, que levou a normalista de 18 anos ao salão da Alameda Barão de Piracicaba, onde Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral recebiam seus amigos. Apresentou-a: “Esta é a Pagu”; todos se encantaram. Foi só no fim da noite que ela mesma lhe perguntou: “Por que Pagu?”. Bopp respondeu que juntara as primeiras sílabas dos seus dois nomes: Patrícia e Gusmão. “Mas sou Galvão, não Gusmão!”. Tarde demais: a essa altura ela já se tornara irrevogavelmente Pagu para os modernistas paulistanos.

Essa foi a história que sempre ouvi. Entretanto, hoje, todas as fontes que contam a origem do apelido informam que a confusão de Bopp se deu, sim, mas com o sobrenome Goulart. Será? Um poeta como Bopp, alguém com o ouvido afinado para o som das palavras, confundiria Galvão e Goulart, que sequer rimam?

Encantado com os olhos verdes da estudante, Raul Bopp compôs para ela o Coco de Pagu, mais tarde publicado em Cobra Norato apenas com o título Coco . O poema foi dedicado “ao Di”, na forma original, como saiu na revista Para Todos , acompanhado por uma ilustração de Di Cavalcanti:

CÔCO DE PAGU

Ao Di

Pagu tem os olhos molles
Olhos de não sei o quê
Si a gente está perto delles
A alma começa a doer
Ai Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Pagú! Pagú!
Não sei o que você tem.
A gente, queira ou não queira,
Fica lê querendo bem.
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Você tem corpo de cobra
Onduladinho e insolente
Dum veneninho gostoso
Que dóe na bocca da gente
Ai Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Eu quero você pra mim,
Não sei se você me quer,
Se quiser ir pra bem longe
Vou pronde você quiser.
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Mas si quiser tá pertinho
Bem pertosinho daqui
Então... você pode vir
Ai... ti ti ti, ri ri-ri... ih...
Eh Pagú eh
Dóe porque é bom de fazer doêr

Apesar da mistura de estrofes pontuadas e não pontuadas, essa versão soa hoje superior à definitiva (publicada em Cobra Norato e facilmente encontrável na internet através de qualquer mecanismo de busca).

Raul Bopp conheceu a estudante através de Olympio Guilherme, antiga paixão de Pagu, que entregara-se a ele antes de completar 12 anos, como conta na carta a Geraldo Ferraz. No entanto, ela diz: “não houve a menor violência de Olympio, nessa posse provocada por mim”. Ao mesmo tempo que conta isso, afirma: “não tive precocidade sexual. [...] Eu era apenas uma criança. E só queria amar. [...] Olympio não me amava. Tinha uma situação complicada, que não queria desmanchar socialmente”. Aos 14 anos, um aborto. Depreende-se do relato que a família ignorava a razão de Patrícia ter ficado de cama por quase um ano. “Mamãe, as noites comigo. Nenhuma solidão. Só a palavra amiga de Guilherme de Almeida, que de tudo sabia”.

Uma das coisas que Pagu não conta, em sua autobiografia, é que participou, em 1927, de um Concurso Fotogênico de Beleza Feminina e Varonil promovido pela Fox Film com a intenção de formar pares de atores. Os vencedores, que viajaram em seguida para Hollywood, foram Olympio Guilherme e Horácia de Moraes – que veio a assumir o nome artístico de Lia Torá. Pagu demonstra despeito ao publicar uma foto de Lia no jornal O Homem do Povo, que editava com Oswald, com a legenda “A Fracassada”, na coluna Palco Tela - E - Picadeiro, em matéria assinada Piolim.

Ela praticamente ignora, também, no seu relato a Geraldo, a relação com o casal Oswald e Tarsila, que parece tão importante para os estudiosos do modernismo. É preciso buscar noutras fontes essa faceta do retrato de Pagu.

Artigo de Camila Ventura Fresca, publicado no site Vidas Lusófonas, cita depoimento de Flávio de Carvalho, de 1964, que fala de Pagu como “uma colegial que Tarsila e Oswald resolveram transformar em boneca. Vestiam-na, calçavam-na, penteavam-na, até que se tornasse uma santa flutuando sobre as nuvens”. O mesmo artigo dá uma descrição de Pagu por “um estudante de Direito da época”: “Uma menina forte e bonita, que andava sempre muito extravagantemente maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor de queijo Palmyra, e pintava os lábios de quase roxo, tinha um cabelo comprido, assim pelos ombros, e andava com o cabelo sempre desgrenhado e com grandes argolas na orelha. Passava sempre lá pela faculdade, de uniforme de normalista. E os estudantes buliam muito com ela, diziam muita gracinha pra ela [...] faziam muita piada e ela respondia à altura, porque não tinha papas na língua para responder”.

Em março de 1929, Pagu inicia, com desenhos, sua colaboração na chamada ‘segunda dentição’ da Revista de Antropofagia . Em junho, para espanto de sua família, aparece no Teatro Municipal de São Paulo, vestida por Tarsila, declamando poemas numa festa em homenagem a Didi Caillet – Miss Paraná daquele ano, escritora, musa dos futuristas paranaenses, precursora do feminismo, conhecida por hábitos revolucionários como o de dirigir automóveis sozinha.

Sydéria Galvão, irmã de Pagu, assim descreve o evento: “Foi muito engraçado esse dia. Nós fomos a esta festa, eu, mamãe e papai, mas a Pat não estava com a gente, ela tinha ido na casa de Oswald com Tarsila. De repente, a gente viu numa frisa – a gente estava na platéia – a Pat com Tarsila e tudo, completamente irreconhecível. A gente dizia ‘é a Pat, não é a Pat’ (a gente não a chamava de Pat, mas de Zazá, que ela odiava), mas a gente não entendia porque ela estava maquiada, de um jeito diferente. Eu não gostei, achei mais feia do que ela era, muito sofisticada pelo meu gosto, eu era menina naquele tempo, não gostei mesmo. Daí ela declamou aquelas coisas, porque tinha conhecido a Didi Caillet na casa de Tarsila, tinha aquele lero-lero de Didi Caillet ser intelectual...”.

Como se vê, antes de se tornar Pagu, Patrícia era chamada de Zazá pela família. E quando deixou de ser Pagu passou a ser Pat. Ao longo de sua carreira, usou muitos outros nomes, desde os 15 anos, quando começou a assinar artigos para o Brás Jornal como Patsy.

Em agosto de 1929, Clovis de Gusmão publica na revista Para Todos uma matéria sobre a exposição de Tarsila do Amaral no Rio de Janeiro. Nela inclui uma entrevista breve com Pagu, a quem chama de “habitante do mundo Tarsila”, que “encantou a todos pela graça, pela intelligencia e pela ingenuidade”:

– Que é que você pensa, Pagu, da antropofagia?

– Eu não penso: eu gosto.

– Tem algum livro a publicar?

– Tenho, a não publicar: Os 60 Poemas Censurados, que eu dediquei ao doutor Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagu – Vida, Paixão e Morte, em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim.

– Quais são suas admirações?

– Tarsila, Padre Cícero, Lampião e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.

(Informações: Pagu é a criatura mais bonita do mundo – "depois de Tarsila", diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo.)


A matéria era ilustrada por um retrato de Tarsila feito por Pagu.

De 24 de maio de 1929 a 2 de junho de 1931, Oswald de Andrade manteve com Pagu um diário a quatro mãos que intitulou de O romance da epoca anarchista ou Livro das horas de Pagu que são minhas. Lembra, de certa forma, O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo, diário coletivo escrito pelos freqüentadores da garçonnière mantida por ele entre 1918 e 1919. Chama atenção a disparidade entre as entradas feitas por Oswald e por Pagu nesse diário. Lendo-as, não há como não acreditar no que ela escreveu para Geraldo Ferraz: “eu não amava Oswald”. Numa página, ela escreve: “um pouco mais de tédio”; noutra, “acabou-se o entusiasmo” e numa terceira “V. não pode comigo, vou arranjar outro”. Embaixo, Oswald respondeu: “Eu mesmo arranjo”. No dia 30 de janeiro de 1930, Oswald escreve: “Nesta data contrataram casamento a jovem amorosa Patricia Galvão e o crápula forte Oswald de Andrade. Foi deante do tumulo do cemitério da Consolação... etc ”. Ao longo de cinco páginas ele declara seu amor: “Se Pagu soubesse o que tem sido a minha vida desde maio! Só tel-a, só merecel-a, só alcançal-a. [...] Quantas noites passei pensando nella! Quantas manhãs acordei os olhos nella”. Quando Pagu deixa a família, por exigência do PCB, Oswald escreve: “Bebê – Separado, serei teu melhor marido. A casa de Rudá é a tua casa”. E assina: “Seu Andrade”. Pagu, por sua vez, responde noutra página: “Guarde o Rudá pra mim. Guarde você pro Rudá. Guardemo-nos para a Revolução”.

O nome de Rudá é um mistério que esperei ver esclarecido nas memórias de Pagu. Mas ela não toca no assunto da escolha do nome do primogênito. O que diz a lenda é que ele foi batizado como Lança Perfume Rodo Metallico de Andrade, e Rudá é um apelido baseado na marca Rhodia, fabricante do lança-perfume. Isso me foi confirmado tanto por escritores que hoje têm entre 80 e 90 anos, contemporâneos de Pagu, como por uma prima dela, da mesma idade. No entanto, o nome que aparece em todas as fontes impressas consultadas é Rudá Poronominare Galvão de Andrade.

Outras informações para as quais não encontrei comprovação: inúmeras fontes afirmam que Pagu entrevistou Freud, em alto-mar, durante sua viagem para o Japão, e também Pu-Yi, o último imperador chinês. Mas nenhuma dessas fontes vai além da pura e simples afirmação. Não dizem onde as entrevistas foram publicadas, nem citam frase nenhuma que tenha sido dita por um dos dois ilustres personagens a Pagu. Como ela escreveu muito sobre essa viagem a Geraldo Ferraz, fica a impressão de que essas entrevistas não ocorreram. Afinal, ela menciona na carta ter conhecido, noutra viagem, o poeta uruguaio Zorilla de San Martín.

A última lenda sobre Pagu diz respeito... à soja! Inúmeros sites atribuem a ela o mérito de ter trazido ao Brasil as primeiras sementes de soja. A revista Bonifácio, uma publicação do Instituto José Bonifácio, ligado ao PCdoB, garante, no seu número 5, que “Coube a Patrícia Galvão, a Pagu, poetisa e romancista, e a Raul Bopp, diplomata e autor do esplêndido poema Cobra Norato, a proeza de transplantar do Oriente para os trópicos esta leguminosa que hoje gera o principal produto de exportação do País”.

De fato, Bopp contou, em Bopp passado-a-limpo por ele mesmo, de 1972, que “Pagu fez relações de amizade com Mme. Takahashi, de nacionalidade francesa, casada com o Diretor da South Manchurian Railway (verdadeira potência dentro do novo Império manchu, criado sob a égide do Japão). Com a influência de sua amiga, Pagu tinha fácil acesso ao Palácio de Hsingking. Conversava informalmente com o jovem imperador Puhy. Ambos pedalavam as bicicletas, dentro do parque amuralhado da residência Imperial. Quando, numa das suas viagens a Cobe, Pagu me narrou o ambiente de familiaridade que existia em Hsingking, pedi que ela procurasse arranjar com Puhy algumas sementes selecionadas de feijão-soja. Depois de algumas semanas, foram entregues no Consulado, procedentes da Manchúria, 19 saquinhos de sementes dessa leguminosa, que foram enviadas ao Embaixador Alencastro Guimarães, oficial do gabinete do Ministro das Relações Exteriores, Dr.Afrânio de Mello Franco. Esse diplomata, sem perda de tempo, enviou-as ao Ministro da Agricultura de aclimatação, em São Paulo”.

O site da EMBRAPA, no entanto, diz que "a soja chegou ao Brasil via Estados Unidos, em 1882. [..] Em 1891, testes de adaptação [...] foram realizados no Instituto Agronômico de Campinas, Estado de São Paulo (SP). [...] Em 1900 e 1901, o Instituto Agronômico de Campinas, SP, promoveu a primeira distribuição de sementes de soja para produtores paulistas e, nessa mesma data, tem-se registro do primeiro cultivo de soja no Rio Grande do Sul (RS), onde a cultura encontrou efetivas condições para se desenvolver e expandir, dadas as semelhanças climáticas do ecossistema de origem (sul dos EUA) dos materiais genéticos existentes no País, com as condições climáticas predominantes no extremo sul do Brasil."

Como Pagu nasceu em 1910, conclui-se que o cultivo da soja já estava bem avançado quando chegaram as sementes que entregou a Raul Bopp. De qualquer forma, a Embrapa nem sequer menciona os nomes dos dois escritores.

Estas páginas dedicaram-se a Pagu. A jornalista Patrícia Galvão, companheira de Geraldo Ferraz, que brilha no jornalismo cultural a partir de 1940, que se candidata pelo Partido Socialista Brasileiro a uma vaga na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e se dedica ao teatro, sob a orientação de Alfredo Mesquita, não teve espaço neste dossiê.

B.V.

Dossiê Pagu - I

Pagu por Patrícia Galvão
Memórias de uma jovem revolucionária

(este artigo foi publicado na revista O Escritor, número 119)

Há uma Pagu cravada no imaginário dos brasileiros, montada com informações salpicadas por diversos meios desses que, todos juntos, formam aquilo a que se deu o nome de ‘a mídia’. A Pagu que está nas canções, nas minisséries, nos filmes. Por sedutora que pareça, é diferente da que surge nas memórias que seus filhos, Geraldo e Rudá, decidiram trazer à luz, já neste século.

Foram publicadas pela Agir sob o título Paixão Pagu – a autobiografia precoce de Patrícia Galvão. A impressão transmitida é enganosa: tende-se a pensar que ela, pretensiosamente, possa ter escrito essas memórias com a intenção de publicá-las. Não. Trata-se de uma longa carta escrita a Geraldo Ferraz, com quem se casou ao sair da prisão em 1940 e que foi seu companheiro até o fim, em 1962.

O filhos deles, o jornalista Geraldo Galvão Ferraz, recebeu-a do pai na década de 1970 em uma pasta com “fotografias, envelopes, documentos”. Não a leu logo. No prefácio ao livro, diz: “ao longo de décadas, bem que tentei. Mas nunca fui além de umas poucas laudas, brecado pela emoção”. Quando por fim terminou a leitura, concluiu que “o texto era tão revelador, tão intenso, que tinha de ser repartido com o máximo de pessoas possível”. Consultou Rudá, que concordou com a publicação.

O cineasta Rudá de Andrade, filho de Patrícia Galvão e de Oswald de Andrade, é provavelmente o personagem mais importante nessas memórias. Pagu fala nele com amor infinito, mesmo quando lembra os períodos em que esteve afastada do filho, por exigências do Partido Comunista do Brasil (PCB), ao qual se filiara. A ausência de Rudá – “meu Rudázinho”, como ela diz – povoa o livro. Essa ausência é um personagem, também.

Ao destinatário da carta ela se dirige como “meu Geraldo”. “É incrível, meu Geraldo, mas quando resolvi lhe contar a história da minha vida, pensei numa narrativa trágica. Hoje parece apenas que lhe conto que fui à quitanda comprar laranjas” (p. 54).

O envolvimento com Oswald de Andrade, neste relato, não se reveste da aura de romance que usualmente lhe dão. É difícil para o leitor enxergar em Oswald, a partir do olhar de Pagu, o transgressor que a mídia consagrou: “Oswald não era pior do que os outros. Não era sequer vaidoso. E se sempre apareceu como tal, nada mais era do que defesa de sua personalidade, torturada por uma série de complexos de inferioridade. [...] A impotência, ou pelo menos a inferioridade física, era seu maior flagelo, e sua maior alegria era poder arrebatar Nonê com suas conquistas”. (p. 113)

Tarsila do Amaral é mencionada apenas no contexto do casamento de Pagu com o pintor Waldemar Belizário, que morava nos fundos da casa de Oswald e Tarsila: “O meu casamento com Waldemar foi a forma planejada para que eu, de menor idade, pudesse sair de casa sem complicações. Conversando um dia com Oswald e Tarsila, falei-lhes sobre essa necessidade e eles prometeram auxiliar-me” (p. 60). Waldemar aceitaria participar da farsa em troca de uma viagem de estudos à França. Júlio Prestes, então presidente da província de São Paulo, aceitou dar-lhe a viagem como ‘prêmio’, para ajudar Pagu. O casamento foi marcado para dali a um mês.

Todas as referências sobre a união de Pagu e Oswald de Andrade nos dizem que ambos fugiram para Santos enquanto Waldemar partia para a Europa . O que ela conta é diferente. Após o casamento, foi para a Bahia, pensando em viver lá, depois de dar início aos procedimentos para a anulação do casamento. Um telegrama de Oswald pede-lhe que volte, alegando problemas na sentença de anulação. Era um “pretexto”: “havia deixado Tarsila”, conta Pagu. E enfatiza: “Eu não amava Oswald” (p. 60). O que os unia, diz, eram “afinidades destrutivas” e “preconceitos opostos aos estabelecidos” (p. 61).

É no relato da militância política, em conseqüência da qual foi presa 23 vezes, durante a ditadura de Getúlio Vargas, que Pagu se concentra. Não fala das prisões – fala da luta. “Não vou relatar os sofrimentos por que se passa numa prisão de mulheres. [...] A prisão não tinha importância para mim, a não ser no que se referia à paralisação do trabalho começado” (pp. 90-91).

Quanto ao início de sua ligação com o PCB, mais uma vez a lenda diverge da autobiografia. São inúmeras as referências que atribuem ao “próprio Luís Carlos Prestes”, com quem Pagu se teria encontrado na Argentina, a responsabilidade pela sua entrada no partido. Ela, no entanto, diz que lá encontrou apenas as irmãs de Prestes e seu amigo Silo Meirelles, que lhe entregou diversas publicações marxistas. Naquele momento, Prestes já havia declarado seu apoio ao Partido Comunista, do qual, no entanto, recebia ataques que “aceitava estoicamente” (p. 71).

O olhar crítico de Pagu disseca vaidades que não permite nem a si mesma. Dos intelectuais argentinos, diz: “Aquelas assembléias literárias, como eram enfadonhas. O ambiente idêntico ao que eu conhecia cercando os intelectuais modernistas no Brasil. As mesmas polemicazinhas chochas, o mesmo exibicionismo. Eu os freqüentava sem entusiasmo. Bastaria fugir dali para livrar-me deles. Mas eu ficava” (p.72-73).

Poucos personagens aparecem com dignidade nessas memórias. Entre os intelectuais, Raul Bopp, Guilherme de Almeida, Raquel de Queiroz, Murilo Mendes. Dos revolucionários, Herculano de Souza, Luís Carlos Prestes, Eneida e seu companheiro Villar (cujo primeiro nome não é mencionado). Como a carta se destina unicamente a Geraldo, Pagu usa apenas os nomes pelo qual eles chamavam as pessoas a quem se refere. Em alguns casos, podemos inferir ou tentar adivinhar quem são. É o caso de um Borges, por exemplo, de quem diz, sem acrescentar prenomes: “Borges quis se despir no meu quarto cinco minutos depois de me conhecer. Fazer lutinha comigo” (p. 72). Como ela está em Buenos Aires, inserida em rodas de escritores (pelos quais não demonstra admiração ou entusiasmo), fica pouca dúvida quanto à identidade do personagem. Mas temos de lembrar que nesse momento o grande Borges tinha pouco mais de 30 anos – não era o escritor idoso, cego, que ficou na nossa memória e cuja imagem suscita respeito e admiração.

É em Montevidéu que Pagu e Oswald por fim encontram “um homenzinho de aparência medíocre. Eu estava só e quase despedi o nosso visitante, que era Luís Carlos Prestes. Conversamos por três dias e três noites. Como tinham vida aqueles olhos que pareciam enormes. [...] As maiores tolices que eu dissesse seriam ouvidas com paciência e contestadas com minúcia, como se eu fosse a única pessoa no mundo que necessitasse ser recrutada” (p.75). Mas ela conta que “os dias com Prestes não foram suficientes para determinar uma nova orientação”. Isso viria depois, em Santos, por obra de Herculano de Souza, o estivador a quem ela se refere como “o preto Herculano” e de quem diz: “As respostas surgiam todas na pregação do enorme trabalhador negro. Que diferença da explicação intelectual de Prestes, que me exaltara sem convencer” (pp. 80-81).

Encarregada de organizar o Socorro Vermelho em Santos, Pagu conta que conseguiu muito mais adesões do que pedia a meta fixada pelo partido. Escreve: “Minha atividade mostrou rendimento e o partido determinou que eu deixasse todas as obrigações particulares para me dedicar exclusivamente ao trabalho da organização (p. 87).

Herculano viria a ser assassinado pela polícia durante um comício em homenagem a Sacco e Vanzetti, depois do qual Pagu seria presa pela primeira vez, como “agitadora”. Nas memórias, ela declara que o discurso heróico atribuído a ela foi feito na verdade por Maria, uma cozinheira, grande oradora. Mas Pagu, primeira mulher a ser presa no Brasil por razões políticas, tem seu nome cercado de mitos enquanto está na prisão, o que foi “considerado pernicioso pelo Partido por se tratar de uma militante de origem pequeno-burguesa. Sugeriu-se um manifesto e uma declaração minha”. Foi então obrigada a declarar que provocara “a desordem” no comício, falando “sem conhecimento”, sem “autorização da organização, com intento provocador, etc. A humilhação foi dura. Mas achei justa a determinação, disposta a todas as declarações que exigisse de mim o meu Partido” (p. 91).

Que pede ainda mais: “Exigiam minha separação definitiva de Oswald. Não discuti. A atitude de Oswald foi simpática. Disse apenas que eu teria sempre um lugar junto dele. Sofri horrivelmente deixando Rudá, mas não houve de minha parte a menor hesitação” (p. 95). Ela consegue emprego na Agência Brasileira e no Diário da Noite, mas o partido veta: “Nada de trabalho intelectual”. (p. 96)

Trabalha como empregada doméstica, como lanterninha num cinema e como metalúrgica, sempre tentando conseguir adesões para o partido e para os sindicatos. “Com as mãos feridas, o rosto negro de pó, fui considerada comunista sincera. Da noite para o dia, entregaram-me tarefas de maior responsabilidade”. Foi designada como sentinela da Conferência que reuniria “os chefes supremos do Partido Comunista Brasileiro e os representantes da Internacional no Brasil” (p. 99), ao fim da qual, “vendo as figuras [...] dos companheiros que se despediam como irmãos, sentia um bem-estar envolvente. O proletariado brasileiro guiado por uma vanguarda daquela têmpera seria vitorioso dentro de pouco tempo” (p. 102), ela tinha certeza.

Esse entusiasmo não era correspondido por todos os participantes. É sobre sua presença nessa Conferência que Leôncio Basbaum escreveu em Uma Vida em Seis Tempos que “um desses elementos, podemos dizer perniciosos, era uma moça (poetisa) chamada Pagú, que vivia, às vezes, com Oswald de Andrade. Ambos haviam ingressado no Partido, mas para eles, principalmente para Oswald, tudo aquilo lhes parecia muito divertido. Ser membro do PC, militar ao lado dos operários ‘autênticos’, tramar a derrubada da burguesia e a instauração de uma ‘ditadura do proletariado’ era sumamente divertido e emocionante. Nessa Conferência Regional do Rio, um dos membros do grupo de autodefesa, armado de revólveres, era Pagú... Mas havia outros intelectuais, estes um pouco mais sérios, como Eneida.” (apud Augusto de Campos, em Pagu, Vida-Obra, p. 325).

Algum tempo depois da Conferência, Eneida e seu companheiro, o operário Villar, foram expulsos do partido. Pagu, membro do Comitê Fantasma, é obrigada trair o casal, roubando da casa deles a carta que pretendiam enviar à Internacional Comunista pedindo sua reintegração. “Como me sentia ridícula no meu papel de Mata-Hari provinciana. Saí como um trapo dali”, ela diz (p. 118).

As missões que recebe parecem-lhe cada vez mais repugnantes, envolvendo seduzir sexualmente políticos de quem deveria obter informações. Argumenta que a outras militantes não se pede isso – e nem que abandonem seus filhos –, mas respondem-lhe que ela é mais que mera militante, é “uma mulher excepcional” (p. 126). “Pouco a pouco fui percebendo o verdadeiro caráter do Comitê Fantasma”, ela diz. “Os malandros do mangue não percebiam que ao seu lado, participando de suas roubalheiras, estava um membro do P.C.B. Nem a prostituta que apanhava sabia que estava pagando a viagem de um dirigente que precisava, a bem da ilegalidade, embarcar em primeira classe”.

Quando fica seriamente doente e precisa de uma cirurgia, o partido a manda de volta para Oswald. Pagu não aceita voltar. Nonê a visita no quarto que dividia com uma mendiga e de onde Oswald a resgata, dias depois, para levá-la para casa. “Oswald foi de uma delicadeza e uma discrição absolutas”, diz Pagu. “Recebeu-me como se eu o tivesse deixado meia hora antes. Não me fez uma pergunta. Falou ao filhinho que eu afagava: ‘Mamãe chegou’. E deixou-me só, sabendo que eu sofria com sua presença” (pp. 108-109).

Seguem-se fugas sucessivas, com Pagu e Oswald mudando de endereço com freqüência, perseguidos pela polícia. Às vezes levavam Rudá consigo, às vezes deixavam-no com governantas. A irmã caçula de Pagu, Sydéria, chegou a ser presa por engano.

Em uma campanha de depuração do partido, “dois ou três intelectuais da direção” procuraram expulsar da organização “todos os elementos que não tinham origem proletária [...] excetuando-se a si mesmos [...], é claro”. Pagu é afastada por período indeterminado. O companheiro que leva a ordem de afastamento acena com uma esperança: “a organização consente que você faça qualquer coisa para provar sua sinceridade. Trabalhe à margem, intelectualmente.”

Nasce assim a idéia de escrever a novela Parque Industrial, o primeiro livro de Patrícia Galvão, publicado sob o pseudônimo de Mara Lobo. “Se não fosse por insistência de Oswald, não a teria feito”, ela diz. “Não tinha nenhuma confiança” em seus dotes literários (p. 112). Geraldo Ferraz foi quem publicou a primeira crítica ao livro.

O partido sugere, nesse período de afastamento, que Pagu viaje para a Rússia – com seus próprios recursos. Se “embarcasse o mais depressa possível”, receberia credenciais. Mas para obtê-las foi preciso assinar, pela segunda vez em sua história de militância, um documento que não foi autorizada a ler. “Eu o fiz sem hesitar” (p. 136). Esses dois documentos assinados por Pagu devem andar por aí, em algum arquivo secreto...

Durante a viagem, vê tudo com um “adormecimento de sensações”, em que os outros viajantes formavam “um bloco maçante. Eu, que sempre sonhara com longas viagens, não sentia nenhum entusiasmo. Separava-me mais uma vez de meu filho. Ele sofria muito com isso” (p. 137).

Passa um mês nos Estados Unidos. “Era como se já conhecesse tudo. Maior ou menor centro, a mesma humanidade. Ainda perseguições sexuais. Mas todo o meu ser desprezava qualquer insinuação. Como dão importância em toda parte à vida sexual. Parece que há no mundo mais sexo do que homens. Tanta puerilidade, tanta mediocridade” (p. 139).

Antes, passara pelo Pará, onde recebeu “uma recepção inesperada” que, sempre crítica, descreve: “A eterna história dos intelectuais modernos, que se acham na obrigação de fazer circulozinhos em torno de qualquer nome que a imprensa publica duas vezes na crônica escandalosa. O meu nome chegara até o Pará e tive que agüentar as boas vindas do mundo literário chefiado por Abguar. Passeios pela cidade, conversinhas de café, etc. Acabaram me deixando nas mãos de um padre, que me levou ao cinema de onde tive que sair às pressas para não me afogar na batina” (p.138). “A viagem parecia interminável. Da América para o Japão, um bando de turistas irrespiráveis. Desci do navio como quem desce do bonde. Bopp foi o primeiro sorriso simpático que encontrei, depois de muito tempo. [...] Você, Geraldo, é a única pessoa que sabe que [Bopp] foi muito e apenas meu amigo” (p. 140).

Descreve Tóquio como “uma grande cidade, nada mais. Por que chamam de exótico ao Japão? Procurei os intelectuais revolucionários. Fracasso. Procurei o proletariado japonês. A vanguarda, a mesma de sempre. Não suportava mais o Japão. Bopp ajudou-me a ir a Xangai. Vi a fome em Xangai. Desejei um milagre para salvar sozinha a vida da China” (p. 142). Em Pequim ela se surpreende “chorando depois de tanto tempo, desconfiando de minhas lágrimas, que bem podiam ser atitude composta. [... ] Tinha medo do teatro em que podia me fazer personagem” (p.143). “As crianças e os ratos. Os chicotes matando, as torturas públicas. Vi dezenas de mulheres morrendo. Como riam, as mulheres mortas. Não falarei da China. Não me pergunte nunca o que vi e o que senti ali, porque só direi que vi o lodo dourado do Yang-Tsé. Quando saí de Pequim, a morte vinha me acompanhando” (p. 144).

Na Sibéria, maravilha-se: “estava obscena de felicidade. Êxtase absoluto diante da juventude. [...] Eram as mesmas caras dos cartazes de propaganda. [...] Na rua, tive noção do meu fanatismo. Mas gozei-o delirantemente” (pp. 148).

A primeira decepção surge em Moscou, quando entrega uma carta de recomendação a Boris, oficial do Exército Vermelho, que a convida para jantar no Metropol, o hotel onde vive. Pagu surpreende-se com “o preparo luxuosíssimo da refeição. Depois o conhaque no salão de baile. A impressão era exatamente a de estar num suntuoso palácio capitalista. Boris não me explicou porque residia lá, dizendo apenas ser necessário. Houve a tentativa de beijo, como em todos os países” (p. 148). E vem a desilusão final, na praça Vermelha do Kremlin, quando Boris se afasta para comprar chocolates que Pagu queria levar para Rudá. Ela sente que alguém lhe puxa o casaco. Era uma garotinha pedindo esmola: “os pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente, porque lhe faltavam os dedos dos pés. Todas as conquistas da revolução pararam naquela mãozinha trêmula estendida para mim. E eu comprava bombons. Então a revolução se fez para isso? Fiz o que pude para acreditar nas justificativas que Boris me apresentou. ‘São vagabundos que não querem trabalhar e sabotam o socialismo.’ Mas como? Crianças vagabundas?!” (pp. 149-150). Ela deixa Moscou no meio do desfile esportivo, enquanto Stalin, “o nosso chefe”, estava na tribuna.

Aqui terminam as memórias de Pagu – que assinava Pagú – escritas em 1940. A partir daí, ela deixará de usar esse apelido. Seguirá para a França, onde ainda militará, sob o codinome de Léonnie, mas isto já não está nas memórias.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

"Por conta" NÃO significa "por causa"

Minha maior fonte de stress gramatical (sim; sofro disso....) hoje em dia é o famigerado “por conta de” usado no sentido de “por causa de”. Houve um tempo em que só caipiras do interior de São Paulo e de Minas usavam essa expressão. Agora virou ‘coisa de eruditos’! Há quem diga que nesses rincões fala-se um português mais puro. Tá!... Então por que esses admiradores das formas castiças não dizem “pra mó de”, de uma vez? Se é pra falar em caipirês...

“Por conta de” NÃO significa “por causa de”! Significa “sob a responsabilidade de”. Ex.: “A bebida fica por conta de vocês”. Verifiquem. Consultem o Houaiss – ou qualquer outro bom dicionário.

O pior é que tem gente que jura que o Houaiss avaliza esse uso...! Por isso eu disse: “consultem o Houaiss” (e não sites que afirmam que “segundo o Houaiss” esse uso é correto).

Há, por exemplo, a carta de uma professora aposentada de Presidente Prudente que diz que fica, como eu, “muito irritada” com esse uso. Pois imaginem que... um certo Carlos Marinheiro (que se apresenta na net como autoridade em gramática) diz a ela que “Não vejo qualquer razão para ficar irritada com a expressão”. Em seguida, ele lista diversos usos corretos de “por conta”. MAS termina dizendo que “no Houaiss a expressão «por conta de» é sinónima de «por causa de», a exemplo de «p[or] conta da nova lei, os impostos serão aumentados».”

Em que Houaiss, hein? Tenho aqui três deles e nenhum contém essa barbaridade. Pelo contrário. Na edição mais recente, de junho de 2009, há 15 sentidos possíveis para a palavra “conta”. A única que inclui um “por” antes de conta é esta:

10. Derivação: sentido figurado.
encargo, responsabilidade
Ex.: deixou o serviço por c. dela

Caramba! Se ela ficava, como fico, “irritada” com o mau uso da expressão, imagino como terá reagido a essa resposta que cita uma referência inexistente!

Eu, pelo menos, fiquei "por conta"!

("por conta" – expressão que se usa no nordeste para indicar indignação)

"Realocação terá efeito de colesterol ruim"

O título na pg. 14 do Estadão de hoje, sobre a readmissão dos ‘servidores públicos’ demitidos pelo Collor há mais de 15 anos, é ótimo. Comunica perfeitamente a idéia central dos breves seis parágrafos.

A primeira frase, no entanto, faz com que sujeito e verbo se choquem numa umbigada:

"A massa de ex-servidores que o Congresso quer realojar na administração pública terão o efeito de uma injeção de colesterol ruim."

Putz! Será que isso foi fruto dessas reedições que a gente fica fazendo nas frases, puxa daqui, rerredige ali e no fim libera o texto sem perceber que criou um monstro?

DISCUTINDO A REDAÇÃO:
No entanto... segundo Maria Tereza Piacentini (http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=86&rv=Gramatica), embora a Concordância Gramatical peça o verbo no singular, nesse tipo de situação, admite-se também uma "concordância ideológica" em que "o verbo vai para o plural em razão da idéia de pluralidade que a expressão toda transmite".

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"acaba": duplo sentido, no Estadão de hj

caderno Vida, título da matéria:
Invasão da reitoria acaba com pagamento de salário, diz Sintusp

Interpretei como: Com a invasão da reitoria, o pagamento do salário acaba.

Li a matéria: é o oposto. O q se pretendeu dizer foi: Se o salário for pago, a invasão acaba.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Coincidências: Poesia no Minhocão

Dia desses escrevi um poema sobre um casal vivendo ao lado do Minhocão. Tava, claro, naqueles hieróglifos que são a minha caligrafia ao escrever poemas. (pra outras coisas, minha letra é até bonitinha.)

hoje de manhã, ao acordar, resolvi "passar a limpo" (nunca escrevo poesia direto no computador). Levo dias e/ou meses até ter ânimo de "passar a limpo". Às vezes, anos.

Bom.. mas esse, hoje de manhã resolvi digitar e arquivar. O título seria algo como "Morar junto ao Minhocão"

Aí... desci, peguei o jornal -- e caramba!, na primeira pg do Caderno 2, o título do artigo principal era: "Há poesia no Elevado?"

quase caí dos tornozelos.






(pra quem não mora em SP: Elevado=Minhocão)


P.S.: Não moro perto do Minhocão... e nem moro em prédio.




MORAR JUNTO AO MINHOCÃO


E se as pessoas trancadas nos carros soubessem
que a cinco metros do aço dos seus paralamas
um casal se desmancha sobre a cama?

O ruído das freadas nos embala,
o anda-e-para ritmado hipnotiza,
e as pessoas fechadas,
de rádio ligado,
nem imaginam o que há por trás desta cortina:

você brinca de exibir-me na janela,
mas ninguém vê nada por trás dela.
Você me abre mais para a platéia,
e a cortina rendada nos protege.

Sua língua passeia e serpenteia,
mas nem mesmo o vizinho saberia
se esse ruído são os meus gemidos
ou o som das embreagens,
se meu grito
ou o guincho de uma súbita freada.

Através da renda entrebaerta
o poliéster recorta a luz do dia,
mas a penumbra do quarto nos guarda
dos olhares. Somos invisíveis.

Persianas de alumínio repercutem
em uníssono o trânsito parado
e motoristas no ar-condicionado
pensam no dia à frente, no trabalho.
Você me beija enquanto eles planejam.

E se os carros se movimentassem
de repente no seu ritmo, em balé,
frente-ré, frente-ré, frente-ré
e quando você no fundo para e explode
provocássemos um desastre enorme,
um engavetamento universal,
todos os carros colidindo e coisa e tal?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Artigo Traduzido (Estadão de hoje)

Tive pena do profissional que recebeu a incumbência de traduzir o artigo do New York Times (seção Visão Global, no Estadão de hoje. pg. A12). Não há como dizer aquilo em portugês. Percebe-se que as palavras no original eram “single” e “unmarried”. Não li o original, mas tá na cara que era isso (lerei, ok?).

O artigo, assinado por Maureen Dowd, é um protesto sobre a forma como aquela juíza indicada para a Suprema Corte dos Estados Unidos, Elena Kagan, vem sendo apresentada: “an unmarried woman”, em semi-oposição a “a single woman”.

O jeito mais próximo de se dizer isso, em Português, seria “solteira” e “solteirona”. O tradutor optou por “solteira” e “uma mulher que não se casou” – ou seja: traduziu ao pé da letra. E não tem como dizer “unmarried” com menos de quatro palavras, em brasileiro! Claro, existe “descasada” – mas isso é outra coisa (o que, aliás, dificulta a tradução de muitas piadas em inglês).

Como no Brasil ninguém usa quatro palavras para dizer "solteirona", fica meio difícil para o leitor entender qual é, afinal, a crítica que está sendo feita pela colunista do NY Times. Explico: o protesto dela é sobre o fato de que, lá, ninguém se referiria a um homem na mesma situação como “an unmarried man”. O cara pode estar velho, pode nunca se ter casado, mas continua sendo, simplesmente, “single”. Solteiro.

Diz a jornalista norte-americana que “single” envolve uma conotação de “eligible”, ou seja, "escolhível", desejável: uma pessoa que ainda está no mercado de parceiros do sexo oposto.

Acontece que, pensando bem, se o tradutor optasse por solteirona em semi-oposição a solteira, a reclamação não colaria. Porque, afinal, no Brasil nós usamos essa palavra também no masculino: o cara é "solteiro” enquanto é jovem e depois vira “solteirão”.

Putz, é mesmo: em que ponto um solteiro passar a ser “solteirão”? Quando eu era criança, havia muitos “solteirões”. Alguns moravam com outro solteirão. A imagem que se tinha era a de bons amigos mulherengos – discretamente mulherengos, pois nunca eram vistos acompanhados de mulher nenhuma – que simplesmente jamais tinham encontrado sua ‘alma gêmea’. Como éramos inocentes, naquele tempo! Ou discretos.

Enfim: a jornalista está reclamando do machismo embutido na opção por “unmarried” em vez de “single”, quando apresentam a biografia da juíza. E como o tradutor poderia passar o significado desse esperneio ao leitor brasileiro que, por contigências do destino, não entenda inglês? (Uma raridade, concordo. Mas existe. Até mesmo entre os leitores do Estadão.)

O tradutor fez alguma excelentes opções. “Tia Perpétua”, por exemplo. Como será que estava, no original? Aunt Jemima? Verificarei. (Naturalmente, ele não conseguiu escapar da armadilha do infinitivo-flexionado-ou-não, que pega todos os escritores, hoje: “com frequência elas deixam de ser solteiras depois de chegar aos 40 ou 50 anos, ou após simplesmente ultrapassarem a idade de ter filhos”... Se ele soube tão bem usar o infinitivo não-flexionado em “chegar”, por que não repetiu a façanha no “ultrapassar”? Haverá quem diga que assim está certo. Mas não está. Equipe do Estadão, consultai vossos Manuais! Deixai que o espírito de Eduardo Martins vele sobre vossos sonhos!).

Voltando ao assunto: se eu recebesse esse texto para traduzir, como teria lidado com as palavras “single” e “unmarried”? Não sei. Acho que recusaria o trabalho. Minha solidariedade ao tradutor!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

heteromisógino

Na semana passada escrevi isso num post no orkut, estranharam. É um neologismo? Talvez. Se é, acabei de inventar.

Refere-se, claro, aos machos que são hetero, mas odeiam mulheres (assim que o nível da testosterona baixa um pouquinho).

Não encontram o menor encanto no feminino, não acham graça em papo de grupo misto de colegas de trabalho, só conversam com homens, só saem com homem, só bebem com homem, só contam piada pra homem e só ouvem piada se vier da boca de outro homem.

Se estiver num grupo alegre de alegres rapazes e um deles chamar uma amiga: "ei! vem sentar aqui! não aguento mais ficar perto de tanto homem!", os outros riem e puxam uma cadeira para moça. O heteromisógino sorri amarelo. Dali pra frente, a conversa perde a graça pra ele. A presença fenminina o constrange, chateia, entendia, escurece-lhe o ambiente.

Logo ele dá um jeito de levar seu copo para outra mesa, de preferência carregando consigo um amigo ou dois, idealmente (pra ele) todos, menos o calhorda que estragou a festa.

Conheço alguns assim. Poucos.

O oposto é o macho que não é gay mas só tem amigas, acha papo de homem um tédio, detesta falar de carros e de futebol, fica irritado com amáveis grosserias masculinas, aqueles cumprimentos vagamente ofensivos que homens fazem uns aos outros, na maior camaradagem.

Por estar sempre cercado de mulheres, esse aí é confundido com paquerador, mas em geral só parece com os paqueradores na felicidade por estar em companhia feminina.

Os hetromisóginos dirão, talvez, que o cara é um gay enrustido. Mas esses caras não curtem homem, não. Nem bofe. Gostam mesmo é de mulher, e sexualmente são tão hetero quanto os outros, os que detestam mulheres.

Pareceu absurda, a última frase?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Caos e trânsito: confusões vocabulares

"O caos hoje está muito bom", informa o entrevistado ao repórter do Jornal Nacional, da TV Globo, querendo dizer que as coisas estão bem, estão melhorando.

É uma confusão parecida com a que tenho ouvido no rádio: "Às vezes chega a se formar um... um verdadeiro trânsito, aqui na minha rua", dizia um ouvinte da Rádio Sul América em recado gravado no Portal de Voz da emissora, informando que às vezes fica tudo parado.
E é muito frequente, nessas informações gravadas por ouvintes, que a palavra trânsito seja usada no sentido de congestionamento do tráfego de veículos. Ou seja: numa acepção exatamente oposta ao seu real significado.

É uma transformação vocabular em andamento? Pena que não vou estar aqui no século XXII, para checar.

Semelhante a outra confusão que ouvi também na Sul América, mas desta vez dita ao âncora por um repórter, falando de uma estrada paulista: "O trânsito está indo numa toada ótima, dá para chegar tranquilamente aos 120 quilômetros por hora".

Toada: "cantiga de melodia simples e monótona" - Em sentido figurado, diz-se que algo prossegue "sempre na mesma toada" quando é repetitivo e, como diz a definição do dicionário, monótono. Como uma cantiga de ninar. Que certamente não vai a 120 km/h.


Discutindo a redação:

Confusão: usei confusão no sentido de "ato ou efeito de identificar uma coisa com outra até torná-las indistintas" (Houaiss) e não no sentido que adquiriu por "derivação, extensão de sentido".

Também no Houaiss: "Derivação por extensão de sentido: brincadeira excessivamente barulhenta e agitada, que incomoda os demais; desordem, balbúrdia, baderna".

Estranhamente, essa 'derivação' se tornou mais popular do que o significado original. (Estranhamente? Ou não.)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Kitchen Sink Department - Music

Sim, confirmaado:

Cymbal, Tambourine, Castanets, Triangle, Cow Bells, Wood Blocks, Gongs,etc.
These percussion instruments are smaller, hand held instruments. Some people call this group of instruments the 'kitchen sink department' because of the wide variety of things it includes.


Ou seja: "departamento da pia da cozinha".

Isso está num site de música erudita, sob o título Percussion. E apresentam como exemplo dos instrumentos da "kitchen" obras de Tchaikovsky e Lizst, entre outras.

Será, então, que nós é que passamos a chamar a batucada de "cozinha" por influência deles, e não do João da Bahiana?

Naturalmente, eles não têm cuícas...

Nei Lopes & Samba - Ouvido Absoluto

Estréia da coluna (na verdade, meia página... mas ainda chamamos de "coluna", herança do tempo em que 'colunistas' como Nelson Rodrigues, Perseu Abramo e até mesmo Paulo Francis publicavam, de fato, suas matérias em uma coluna. De jornal, não arquitetônica) no Caderno 2 do Estadão, que no sábado é C2+Música -- nas páginas internas, C2+m.

Boa matéria: Não me venha com batuques na cozinha

Pontos de vista originais e divertidos, dos quais se pode discordar, felizmente. Articulista que escreve o que o leitor pensa é inútil...

Nei Lopes diz que "música tem de envolver principalmente ritmo" (eu estendo o conceito à poesia) e protesta contra a expressão "cozinha" para designar a percussão.

Talvez os muito jovens não saibam que Batuque na Cozinha é o título de uma canção composta por João Machado Guedes, o João da Bahiana, descendente de escravos, que nela dizia que "Batuque na cozinha/ Sinhá não qué". Ou talvez saibam, sim, porque Martinho da Vila gravou a música, mais recentemente. Provavelmente foi dela que se originou a expressão "cozinha", nos meios nusicais. O pessoal da batucada. (ou será que se chama também 'kitchen' nos EUA? Duvido, mas vou pesquisar.)


DISCUTINDO A REDAÇÃO:
"o pagode dos fundos de quintal cariocas" (no meio da segunda coluna da matéria). Não pode ser, né? Talvez "o pagode carioca de fundo de quintal" ou "o pagode do fundo dos quintais cariocas". Sei lá. Mas assim é que não pode ficar!
duvido que o autor ache que a frase está certa. Foi um cochilo, pois o artigo é magnificamente escrito, exatamente do que se precisa na crítica musical.

Ah, por falar em pagode: descobri a origem da palavra "pagode", quando associada a samba! Depois eu conto! Descoberta inédita!


sábado, 10 de abril de 2010

TRÊS POETAS EM CONVERSA

Entrevista de Izacyl Guimarães Ferreira com Betty Vidigal, Erorci Santana e Ieda Estergilda de Abreu

1. Quando, em que idade, começou a escrever versos?

Erorci Santana - Comecei tarde, aos 18 anos. Lembra-me ter entrado numa fossa terrível por ter levado um fora de uma garota frívola, levada ao Olimpo do meu amor adolescente. Arrasado, rabisquei os primeiros versos de um poeminha romântico, não sei se para gozar melhor aquela dorzinha funda ou aplacar a turbulência afetiva. O pior é que até hoje não esqueci aquele monstro de graça e crueldade feminina. Tomara que os seios dela, flácidos e insensíveis, estejam imersos num prato de sopa na solidão desta noite fria.

Ieda Abreu - Mais ou menos aos 15, 16 anos, mas antes de escrever, lia, copiava poemas, poesias que me agradavam – também pensamentos, reflexões - em cadernos e diários. Hoje bem menos mas não abandonei de todo o hábito.

Betty Vidigal – Comecei a fazer versos antes de aprender a escrever. Eu nem saberia, talvez, que eram poemas, se meu pai não se tivesse encantado com aquelas frases rimadas e ritmadas, que não tinham nenhum significado objetivo. Foi ele quem me disse que aquilo era poesia. Então eu acordava no meio da noite (até hoje é assim que meus versos se formam: quando estou dormindo) e chamava: “Pai, fiz um verso!”. Ele vinha ao meu quarto, sentava na beira da cama, ouvia, dizia: “Que beleza.”. E escrevia para mim. Isso até os seis anos, quando comecei a escrever eu mesma. Li cedo, mas só aprendi a escrever aos seis.


2. São muitos os conceitos sobre o que seja poesia. Qual o seu, se próprio, ou de quem se o faz seu?

Erorci Santana - Muitos conceitos foram inscritos nas páginas da história da literatura, alguns bastante sagazes mas frios, acadêmicos, buscando a verdade científica nessa matéria cambiante e movediça; outros francamente tolos e, ainda outros, tristemente redutores ou abertamente idiossincráticos. O conceito mais acertado parece ser aquele do Mestre Massaud Moisés, que afirma ser a literatura uma forma ou tipo de conhecimento, assim como as demais artes, as religiões, as ciências e as filosofias. Quanto à poesia, eu somo com aqueles que a vêem como arquitetura verbal capaz de instaurar a magia, o enlevo, o encantamento. Uma máquina assim como nós, humanos, feita para comover.

Ieda Abreu - Acho que nunca quis definir poesia, não senti necessidade, até fujo das definições. Mas vou localizar quem disse que no reino da palavra, a poesia “é a forma de expressão mais sofisticada”.

Betty Vidigal – Separemos poesia de poema. A poesia pode estar num copo d’água em que um redemoinho de açúcar gira até desaparecer entre as moléculas de H2O. Pode estar no jeito com que uma pessoa vê um acontecimento e não estar no olhar de outra pessoa para o mesmo evento.
Um poema é outra coisa. Nem todo poema é Poesia – alguns são apenas versos.
Para que um poema seja poesia é preciso que diga algo que nunca foi dito ou que diga aquilo que todos sabem, mas de forma originalíssima. E que haja um estranhamento nos significados, instilado com tanta naturalidade que nem se percebe quão estranho é.
A forma é mais importante que o significado. E, dos muitos aspectos da forma, fundamental é o ritmo. Sem ritmo não há poema. O texto pode ser lindíssimo, pode dizer coisas “poéticas”, mas, se não tiver ritmo, é prosa. Mesmo que esteja dividido em muitas linhas.
Depois, o som das palavras. Rimas toantes ou consoantes, internas e externas, aliterações, repetições, ecos, sons graves ou agudos, abertos ou fechados. Que as rimas não sejam óbvias. E que as frases que não sejam retorcidas para forçar os versos a terminar com palavras que rimem.
Por fim a métrica, dispensável, mas que, se houver, torna tudo tão mais interessante.


3. Bandeira disse que o primeiro verso é com Deus, e o resto com ele. Rilke, que a inspiração é só o começo de um longo trabalho. Com você, qual o processo da escrita? Uma idéia, um ritmo, um sopro, o quê?

Erorci Santana - O diagnóstico já veio com a pergunta. Já fui intimista e sublimei demais. Com o tempo, fui abandonando essa imatura inclinação e meus poemas começaram a nascer de visões do irrisório. Daí eu gostar tanto de Manoel de Barros e, mais recentemente, do poeta Donizete Galvão, meu amigo. Ambos têm esse gosto pelo ínfimo detalhe. Acho que os poetas são muito melhores quando descem dos excelsos páramos e amiúdam o olho para o microcosmo, os amores acanhados, os aviltamentos biológicos e minerais, a degradação da alma, os transes individuais, sem perder o vetor filosófico. Outro dia eu vi uma fotografia que servia de prova nos autos de um processo, tirada do telhado quebrado de um edifício, com infiltrações de água, rabiolas de pipas enroscadas na antena de TV e um pombo morto, naquela esplêndida ruína que só exibem os pombos envenenados e os cachorros atropelados, seres vadios agregados à comunidade humana mas sem dono ou adoção. A cena me inspirou e estou escrevendo mais um poema sobre o tema do curso das vidas no subúrbio dessa grande cidade.

Ieda Abreu – Concordo com Rilke, acrescentando, por experiência própria, que a inspiração acompanha o trabalho do poeta também no meio e no fim. Meu ponto de partida e de chegada é o vazio.

Betty Vidigal – Em geral acordo no meio da noite com um poema pronto. Acordo, escrevo e nunca mais esqueço. Se não escrever, se o sono me enganar, me convencer de que no dia seguinte vou me lembrar, perco o poema.
A parte de mim que escreve versos não sou eu, é como se fosse outra pessoa (eu a chamo de Virginia). Às vezes o poema brota quando estou assistindo a um filme, ou dirigindo por uma estrada reta e longa; essas situações em que a gente se desliga de si. O que “ela” escreve não é o que sinto ou penso. Não sei de onde vem.
No período pré-islâmico, os árabes acreditavam que poetas eram assombrados por um espírito, um gênio (jinniy) que neles habitava e lhes ditava versos. Tranqüiliza, saber que desde sempre foi assim.
Recentemente, um aluno, numa oficina literária, me mostrou que “Virgínia” contém o som “jinniy”. Espantoso, porque chamei assim “aquela que escreve versos” muito antes de ouvir falar em poesia pré-islâmica!

4. Já não há “gerações”, “escolas”, sequer “tendências”. Como você se situa nessa liberdade geral?

Erorci Santana - Mas eu nunca acreditei em gerações, escolas ou tendências. Acredito no espírito da época. Esse espírito é que nos rege; vibramos com ele na medida de nosso talento. Eu me sinto à vontade para criar quando a poesia quiser, com as janelas da alma escancaradas para a entrada desse sopro que faz a essência do poeta.

Ieda Abreu - Independente de escolas, gerações e tendências, mas respeitando influências, mestres, me situo no tempo presente, sempre.

Betty Vidigal - Poemas são sempre individuais. Mesmo os poetas da mesma 'geração' ou 'escola' são diferentes uns dos outros. Podem ser ligados por laços de amizade, por afinidades estéticas, ou foram reunidos, depois de mortos, por quem os estudou. Não existe poesia coletiva, não é atividade de equipe.

5. Vê utilidade na poesia ou se trata de um ato gratuito? Holderlin disse que é a mais inocente das atividades. Também a mais perigosa. Comente.

Erorci Santana - Rejeito a idéia da poesia como inutensílio. Mesmo porque um poeta epidérmico e visceral como Rilke, sem a poesia, não se sustentaria um minuto em pé. A poesia é o andaime dos seres líricos. É matéria viva e, como tal, integra a cadeia alimentar dos espíritos refinados. Como, então, pode ser inútil ou gratuita?
A afirmação de Holderlin, fundada no paradoxo, é improdutiva e não leva a lugar algum. De qualquer modo, não sei como ver inocência no gesto da poesia. Não há inocência nem no bruxo nem em seu caldeirão. Que é uma atividade de alto risco eu não tenho dúvida. A poesia sonda territórios desconhecidos, em muitos casos tira véus com mais eficácia do que a ciência, antecipa o futuro. Comecei a ter essa percepção do caráter vaticinador da poesia no momento em que algumas coisas que escrevi aconteceram, como um milagre. Felizmente a poesia nunca se desaparta do assombroso, do maravilhoso. Poesia, como o nascimento da vida, consegue ser, a um só tempo, epifânica e dolorosa.

Ieda Abreu – Poesia não combina com utilidade. Nada é gratuito. Quanto a ser inocente e perigosa, é a visão de Holderlin.

Betty Vidigal – Não é útil. Não serve pra nada. É só incontrolável. Ninguém faz poesia porque quer. Para um poeta, é tão inevitável quanto respirar. Para os outros, não sei.

Erro nas instruções do Blogger...

Uma das páginas acessadas, ao se criar aqui um novo blog, diz:  "Páginas a serem exibidas".

Este é um dos erros mais comuns, hoje. A maior parte das pessoas acredita sinceramente que o infinitivo deve ser sempre flexionado. Não: não deve.

Depois da preposição "a", NUNCA!

O correto, portanto, é "Páginas a ser exibidas".

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Cabeça quente", "esfriar a cabeça;";;;

Mais uma vez, constatei como é sábia a... ora, a sabedoria! Me refiro à popular.

A gente ouve dizerem q "o cara tá com a cabeça quente", ou q alguém precisa "esfriar a cabeça", e nem pensamos em entender isso no sentido literal. Mas devíamos.

Outem, eu estava lembrando de coisas q não gosto de lembrar. De repente, percebi q estava sentindo calor.

Liguei o ventiladorzinho q comprei na Itália, numa loja de objetos de bom design. São mais curiosidades, o q eles têm lá, do q peças assinadas. O ventilador é uma gracinha, uma miniatura daqueles altos, magrelos. Não é um desses gordinhos q, uns anos atrás, se viam por aí, em geral em tons bem brega de rosa e azul.

Este é branco, de plástico de alta densidade, com uns 20 cm de altura. Made in China, claro. Liga-se ao PC por uma entrada USB. 5 Volts. E venta q é uma beleza... É só apertar um botãozinho azul, no meio do pedestal. Eu aponto direto para o rosto, gosto de ficar com a cara gelada.

Saby, q estava comigo no momento da compra, achou um absurdo: "Vc vai pagar 20 euros por isso?!" Vou, ué... Um euro por cm...!"
:o)


E foi assim: qdo as memórias ruins estavam rodando de mãos dadas em torno da minha testa, como uma sarabanda de bruxas ou de insetos, liguei o ventiladorzinho e imediatamente elas foram subtituídas por lembranças gostosas. Vi, na prática, uma demonstração dos efeitos de 'cabeça quente' e de 'esfriar a cabeça'. Valeu!

A foto é do próprio ventiladorzinho... Boa compra, essa!