quinta-feira, 26 de março de 2009

Maria Concetta Cavalaglio Mela

Morreu Concetta. Deixo seu nome aqui como os egípcios deixavam os nomes de seus mortos inscritos nas colunas do templo, para que os anjos os encontrassem no dia do juízo final.

Foi uma sogra maravilhosa para minha filha – mesmo depois de terminado o casamento –, uma avó maravilhosa para minhas netas – que passavam os fins-de-semana com ela, a cada 15 dias – e uma co-sogra maravilhosa para mim. Eu poderia dizer que ela era doce, mas ‘doçura’, sem adjetivos, não define Concetta. Vamos falar numa combinação de doçura e timidez, mas sob a timidez firmeza. Uma tímida que não tinha medo de dizer timidamente o que pensava. Timidez, doçura e capacidade de oferecer conforto, carinho, apoio.

Self-effacing. Não encontro expressão em português para dizer isso. Haverá, em italiano? Quero dizer que talvez não a notassem, se entrasse em algum lugar, quietamente, como era seu jeito. Mas para os que a conheciam estava ali. Presente.

Veio da Itália para o Brasil aos 18 anos, de navio, sozinha, para encontrar o namorado que partira dois anos antes, “para fazer a América”. De longe mantinham o namoro: trocavam cartas, fotos, e um dia ele mandou a passagem. Casaram-se e aqui tiveram dois filhos, aqui construíram uma indústria que fabricava desde os parafusos até a espuma dos seus móveis. Sempre com essa capacidade de trabalho que o Brasil teve a sorte de receber dos seus imigrantes.

Quando nasceram as netas, toda a capacidade de amor de Concetta se concentrou nelas e foi correspondida. “Essas meninas são minha vida, Bete”, me dizia, no forte sotaque italiano que nunca perdeu.

Nos encontrávamos pouco. Festas de aniversário, de Páscoa e Natal, enquanto durou o casamento do filho dela com minha filha. Na Maternidade, comemorando o nascimento das crianças. Nos batizados. Depois disso, nas apresentações das meninas na escola, às quais ela sempre comparecia, derretida com as netas. E vez ou outra nas salas de espera de um hospital, quando alguma delas se machucou. Nos falávamos por telefone, para combinar a divisão do tempo das crianças, durante as viagens da mãe. E então nos víamos, nos visitávamos, ao buscar as meninas para a troca de avós. É, nos encontrávamos pouco, mas esse pouco era muito, com forte afinidade, determinada não só pelo amor às crianças. Sei que Concetta teria sido minha amiga mesmo que não fosse a outra avó das minhas netas. Isso se tivéssemos a sorte de nos conhecer, o que seria muito improvável sem o encontro dos nossos filhos.

Toda criança deveria ter avós. Isso deveria estar na Declaração dos Direitos das Crianças. Por ‘avós’ me refiro também aos ‘avôs’, é claro.

Nem todas as crianças têm esse privilégio. As que o têm, quase que inevitavelmente enfrentarão um dia a perda. As perdas. É doloroso. Mas no futuro as lembranças deixam de ser doídas e tornam-se apenas preciosas, cherished. Sei disso pelas lembranças que tenho. Também não sei dizer cherish em português. Os dicionários oferecem traduções, claro, mas são todas apenas aproximadas. Em italiano também não há palavra para isso. Viva a globalização, que nos permite o poliglotismo to speak our minds.

Sim, toda criança deveria ter avós. E, se fosse possível, toda criança deveria ter uma nonna.

domingo, 8 de março de 2009

“A PESSOA ERRADA”

Não vou falar sobre “amar a pessoa errada”, não. Vou falar em “mexer com a pessoa errada”. No caso, o Diogo Mainardi.

Se bem que – deixa eu fazer um longo parênteses – muito antes de começar a circular pela net esse texto cuja autoria é dada como ‘desconhecida’* e que tem o título de A pessoa errada eu já pensava mais ou menos aquilo, mesmo.

Lembro bem da primeira vez em que a coisa suddenly dawned on me. Foi no aniversário de uma prima. Calhou de eu ficar conversando com a vizinha dela, que me despejou detalhes de sua recente separação. “Vocês eram felizes?” “Muito! Mas não deu certo.” Cometi a asneira de dizer que se o casamento funcionou durante 25 anos, pode-se dizer que deu certo. Pode ter azedado, depois, mas deu certo... por um bom tempo.

O marido a deixara pela melhor amiga dela. “Fingia ser minha amiga, freqüentava a minha casa... nossos filhos brincavam juntos!”, ela se lamentou. Eu disse que a outra provavelmente não fingia, era amiga, sim, decerto,... “Mas teve o azar de se apaixonar pelo seu marido”. Ela me olhou como se eu fosse louca de pedra (pedregulho, talvez): “Amigas não fazem isso!”.

Sei lá. Como se a gente pudesse controlar nossas paixões! Coitada da amiga, coitado do marido, coitada dela... Talvez ela devesse dizer “Maridos não fazem isso!”... Por que amigas deveriam ser mais leais do que maridos?

Ela garantia ter descoberto que se casara com aquela figura famosa, A Pessoa Errada. “Mas, se você pudesse escolher”, perguntei, “o que você desejaria? Se um gênio da lâmpada aparecesse agora, o que você pediria a ele? Um outro homem?” “Que fizesse a minha falsa amiga desaparecer da face da Terra. Eu queria nunca ter conhecido essa pessoa! Que ela nunca tivesse existido!” “E se isso acontecesse... você voltaria com seu marido?” “Claro.” “Ou seja: se ela desaparecesse, você se casaria de novo com A Pessoa Errada...?” O olhar dela me informou que eu tinha feito A Pergunta Errada. Como não tenho Desconfiômetro®, perguntei de novo: “Quer dizer, se ela não existisse... ele deixaria de ser A Pessoa Errada e passaria a ser A Pessoa Certa?”

Silêncio. Como continuo sem Desconfiômetro™, tentei explicar: “Enfim, você não quer outro...! Você queria ele mesmo, mas sem um detalhezinho. Se outro não serve, então A Pessoa Certa é ele. Ele é A Pessoa Certa, mas tem defeitos”. Não dei Ibope. Ela foi procurar um ombro mais confortável que o meu. Estranho, sempre acho que digo coisas tão sensatas a quem precisa de conforto...

Mas do que eu queria falar é outra coisa. O artigo do Diogo Mainardi no número 2102 da Vejona! Hilário. Me deu pena do tal Quatipuru Borges, que mexeu com a Pessoa Errada.

Fiquei tentada, claro, a usar outro nome exótico de cidade, continuando a brincadeira que o Mainardi começou, mas desisti. Eu não faria aquilo com tanta classe. Em vez disso, fui guglear, atividade irresistível. Eis o que diz o site Amazônia de A a Z: “O primeiro nome dado ao Município, Quatipuru, foi devido à abundância de roedores - coatipuru ou acutipuru "sciurus aestucus" - existentes na região.” Roedores, hein?



Depois fui ao Houaiss procurar a etimologia. Vício é vício, tem gente por aí viciada em coisas menos inofensiva que pesquisar. “A. G. Cunha, em DHPT, registra tupi aku'ti 'cutia' + pu'ru; segundo Nascentes, do tupi akutipu'ru 'cutia enfeitada' (de aku'ti 'cutia' + pu'ru 'enfeitada'); segundo Silveira Bueno, o sentido 'cutia enfeitada' se deve ao fato de o esquilo exibir uma bela cauda; cp. agutipuru; cf. quatipuru; f.hist. c1777 acotipurú, 1928 acutipurú, 1949 acutipuru."

Anran. Roedor-de-bela-cauda.

Por Tupã! Alguns papais deveriam pesquisar o significado dos nomes que estão dando aos seus filhinhos!

-----------------------------------------------------------------------------------
* (ponho minhas fichas em Marta Medeiros, como autora de A Pessoa Errada, mas sei lá)

--- Desconfiômetro -- sei não, mas desconfio de q esse equipamento tenha marca registrada... por via das dúvidas, escrevi-o assim!