quarta-feira, 28 de abril de 2010

heteromisógino

Na semana passada escrevi isso num post no orkut, estranharam. É um neologismo? Talvez. Se é, acabei de inventar.

Refere-se, claro, aos machos que são hetero, mas odeiam mulheres (assim que o nível da testosterona baixa um pouquinho).

Não encontram o menor encanto no feminino, não acham graça em papo de grupo misto de colegas de trabalho, só conversam com homens, só saem com homem, só bebem com homem, só contam piada pra homem e só ouvem piada se vier da boca de outro homem.

Se estiver num grupo alegre de alegres rapazes e um deles chamar uma amiga: "ei! vem sentar aqui! não aguento mais ficar perto de tanto homem!", os outros riem e puxam uma cadeira para moça. O heteromisógino sorri amarelo. Dali pra frente, a conversa perde a graça pra ele. A presença fenminina o constrange, chateia, entendia, escurece-lhe o ambiente.

Logo ele dá um jeito de levar seu copo para outra mesa, de preferência carregando consigo um amigo ou dois, idealmente (pra ele) todos, menos o calhorda que estragou a festa.

Conheço alguns assim. Poucos.

O oposto é o macho que não é gay mas só tem amigas, acha papo de homem um tédio, detesta falar de carros e de futebol, fica irritado com amáveis grosserias masculinas, aqueles cumprimentos vagamente ofensivos que homens fazem uns aos outros, na maior camaradagem.

Por estar sempre cercado de mulheres, esse aí é confundido com paquerador, mas em geral só parece com os paqueradores na felicidade por estar em companhia feminina.

Os hetromisóginos dirão, talvez, que o cara é um gay enrustido. Mas esses caras não curtem homem, não. Nem bofe. Gostam mesmo é de mulher, e sexualmente são tão hetero quanto os outros, os que detestam mulheres.

Pareceu absurda, a última frase?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Caos e trânsito: confusões vocabulares

"O caos hoje está muito bom", informa o entrevistado ao repórter do Jornal Nacional, da TV Globo, querendo dizer que as coisas estão bem, estão melhorando.

É uma confusão parecida com a que tenho ouvido no rádio: "Às vezes chega a se formar um... um verdadeiro trânsito, aqui na minha rua", dizia um ouvinte da Rádio Sul América em recado gravado no Portal de Voz da emissora, informando que às vezes fica tudo parado.
E é muito frequente, nessas informações gravadas por ouvintes, que a palavra trânsito seja usada no sentido de congestionamento do tráfego de veículos. Ou seja: numa acepção exatamente oposta ao seu real significado.

É uma transformação vocabular em andamento? Pena que não vou estar aqui no século XXII, para checar.

Semelhante a outra confusão que ouvi também na Sul América, mas desta vez dita ao âncora por um repórter, falando de uma estrada paulista: "O trânsito está indo numa toada ótima, dá para chegar tranquilamente aos 120 quilômetros por hora".

Toada: "cantiga de melodia simples e monótona" - Em sentido figurado, diz-se que algo prossegue "sempre na mesma toada" quando é repetitivo e, como diz a definição do dicionário, monótono. Como uma cantiga de ninar. Que certamente não vai a 120 km/h.


Discutindo a redação:

Confusão: usei confusão no sentido de "ato ou efeito de identificar uma coisa com outra até torná-las indistintas" (Houaiss) e não no sentido que adquiriu por "derivação, extensão de sentido".

Também no Houaiss: "Derivação por extensão de sentido: brincadeira excessivamente barulhenta e agitada, que incomoda os demais; desordem, balbúrdia, baderna".

Estranhamente, essa 'derivação' se tornou mais popular do que o significado original. (Estranhamente? Ou não.)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Kitchen Sink Department - Music

Sim, confirmaado:

Cymbal, Tambourine, Castanets, Triangle, Cow Bells, Wood Blocks, Gongs,etc.
These percussion instruments are smaller, hand held instruments. Some people call this group of instruments the 'kitchen sink department' because of the wide variety of things it includes.


Ou seja: "departamento da pia da cozinha".

Isso está num site de música erudita, sob o título Percussion. E apresentam como exemplo dos instrumentos da "kitchen" obras de Tchaikovsky e Lizst, entre outras.

Será, então, que nós é que passamos a chamar a batucada de "cozinha" por influência deles, e não do João da Bahiana?

Naturalmente, eles não têm cuícas...

Nei Lopes & Samba - Ouvido Absoluto

Estréia da coluna (na verdade, meia página... mas ainda chamamos de "coluna", herança do tempo em que 'colunistas' como Nelson Rodrigues, Perseu Abramo e até mesmo Paulo Francis publicavam, de fato, suas matérias em uma coluna. De jornal, não arquitetônica) no Caderno 2 do Estadão, que no sábado é C2+Música -- nas páginas internas, C2+m.

Boa matéria: Não me venha com batuques na cozinha

Pontos de vista originais e divertidos, dos quais se pode discordar, felizmente. Articulista que escreve o que o leitor pensa é inútil...

Nei Lopes diz que "música tem de envolver principalmente ritmo" (eu estendo o conceito à poesia) e protesta contra a expressão "cozinha" para designar a percussão.

Talvez os muito jovens não saibam que Batuque na Cozinha é o título de uma canção composta por João Machado Guedes, o João da Bahiana, descendente de escravos, que nela dizia que "Batuque na cozinha/ Sinhá não qué". Ou talvez saibam, sim, porque Martinho da Vila gravou a música, mais recentemente. Provavelmente foi dela que se originou a expressão "cozinha", nos meios nusicais. O pessoal da batucada. (ou será que se chama também 'kitchen' nos EUA? Duvido, mas vou pesquisar.)


DISCUTINDO A REDAÇÃO:
"o pagode dos fundos de quintal cariocas" (no meio da segunda coluna da matéria). Não pode ser, né? Talvez "o pagode carioca de fundo de quintal" ou "o pagode do fundo dos quintais cariocas". Sei lá. Mas assim é que não pode ficar!
duvido que o autor ache que a frase está certa. Foi um cochilo, pois o artigo é magnificamente escrito, exatamente do que se precisa na crítica musical.

Ah, por falar em pagode: descobri a origem da palavra "pagode", quando associada a samba! Depois eu conto! Descoberta inédita!


sábado, 10 de abril de 2010

TRÊS POETAS EM CONVERSA

Entrevista de Izacyl Guimarães Ferreira com Betty Vidigal, Erorci Santana e Ieda Estergilda de Abreu

1. Quando, em que idade, começou a escrever versos?

Erorci Santana - Comecei tarde, aos 18 anos. Lembra-me ter entrado numa fossa terrível por ter levado um fora de uma garota frívola, levada ao Olimpo do meu amor adolescente. Arrasado, rabisquei os primeiros versos de um poeminha romântico, não sei se para gozar melhor aquela dorzinha funda ou aplacar a turbulência afetiva. O pior é que até hoje não esqueci aquele monstro de graça e crueldade feminina. Tomara que os seios dela, flácidos e insensíveis, estejam imersos num prato de sopa na solidão desta noite fria.

Ieda Abreu - Mais ou menos aos 15, 16 anos, mas antes de escrever, lia, copiava poemas, poesias que me agradavam – também pensamentos, reflexões - em cadernos e diários. Hoje bem menos mas não abandonei de todo o hábito.

Betty Vidigal – Comecei a fazer versos antes de aprender a escrever. Eu nem saberia, talvez, que eram poemas, se meu pai não se tivesse encantado com aquelas frases rimadas e ritmadas, que não tinham nenhum significado objetivo. Foi ele quem me disse que aquilo era poesia. Então eu acordava no meio da noite (até hoje é assim que meus versos se formam: quando estou dormindo) e chamava: “Pai, fiz um verso!”. Ele vinha ao meu quarto, sentava na beira da cama, ouvia, dizia: “Que beleza.”. E escrevia para mim. Isso até os seis anos, quando comecei a escrever eu mesma. Li cedo, mas só aprendi a escrever aos seis.


2. São muitos os conceitos sobre o que seja poesia. Qual o seu, se próprio, ou de quem se o faz seu?

Erorci Santana - Muitos conceitos foram inscritos nas páginas da história da literatura, alguns bastante sagazes mas frios, acadêmicos, buscando a verdade científica nessa matéria cambiante e movediça; outros francamente tolos e, ainda outros, tristemente redutores ou abertamente idiossincráticos. O conceito mais acertado parece ser aquele do Mestre Massaud Moisés, que afirma ser a literatura uma forma ou tipo de conhecimento, assim como as demais artes, as religiões, as ciências e as filosofias. Quanto à poesia, eu somo com aqueles que a vêem como arquitetura verbal capaz de instaurar a magia, o enlevo, o encantamento. Uma máquina assim como nós, humanos, feita para comover.

Ieda Abreu - Acho que nunca quis definir poesia, não senti necessidade, até fujo das definições. Mas vou localizar quem disse que no reino da palavra, a poesia “é a forma de expressão mais sofisticada”.

Betty Vidigal – Separemos poesia de poema. A poesia pode estar num copo d’água em que um redemoinho de açúcar gira até desaparecer entre as moléculas de H2O. Pode estar no jeito com que uma pessoa vê um acontecimento e não estar no olhar de outra pessoa para o mesmo evento.
Um poema é outra coisa. Nem todo poema é Poesia – alguns são apenas versos.
Para que um poema seja poesia é preciso que diga algo que nunca foi dito ou que diga aquilo que todos sabem, mas de forma originalíssima. E que haja um estranhamento nos significados, instilado com tanta naturalidade que nem se percebe quão estranho é.
A forma é mais importante que o significado. E, dos muitos aspectos da forma, fundamental é o ritmo. Sem ritmo não há poema. O texto pode ser lindíssimo, pode dizer coisas “poéticas”, mas, se não tiver ritmo, é prosa. Mesmo que esteja dividido em muitas linhas.
Depois, o som das palavras. Rimas toantes ou consoantes, internas e externas, aliterações, repetições, ecos, sons graves ou agudos, abertos ou fechados. Que as rimas não sejam óbvias. E que as frases que não sejam retorcidas para forçar os versos a terminar com palavras que rimem.
Por fim a métrica, dispensável, mas que, se houver, torna tudo tão mais interessante.


3. Bandeira disse que o primeiro verso é com Deus, e o resto com ele. Rilke, que a inspiração é só o começo de um longo trabalho. Com você, qual o processo da escrita? Uma idéia, um ritmo, um sopro, o quê?

Erorci Santana - O diagnóstico já veio com a pergunta. Já fui intimista e sublimei demais. Com o tempo, fui abandonando essa imatura inclinação e meus poemas começaram a nascer de visões do irrisório. Daí eu gostar tanto de Manoel de Barros e, mais recentemente, do poeta Donizete Galvão, meu amigo. Ambos têm esse gosto pelo ínfimo detalhe. Acho que os poetas são muito melhores quando descem dos excelsos páramos e amiúdam o olho para o microcosmo, os amores acanhados, os aviltamentos biológicos e minerais, a degradação da alma, os transes individuais, sem perder o vetor filosófico. Outro dia eu vi uma fotografia que servia de prova nos autos de um processo, tirada do telhado quebrado de um edifício, com infiltrações de água, rabiolas de pipas enroscadas na antena de TV e um pombo morto, naquela esplêndida ruína que só exibem os pombos envenenados e os cachorros atropelados, seres vadios agregados à comunidade humana mas sem dono ou adoção. A cena me inspirou e estou escrevendo mais um poema sobre o tema do curso das vidas no subúrbio dessa grande cidade.

Ieda Abreu – Concordo com Rilke, acrescentando, por experiência própria, que a inspiração acompanha o trabalho do poeta também no meio e no fim. Meu ponto de partida e de chegada é o vazio.

Betty Vidigal – Em geral acordo no meio da noite com um poema pronto. Acordo, escrevo e nunca mais esqueço. Se não escrever, se o sono me enganar, me convencer de que no dia seguinte vou me lembrar, perco o poema.
A parte de mim que escreve versos não sou eu, é como se fosse outra pessoa (eu a chamo de Virginia). Às vezes o poema brota quando estou assistindo a um filme, ou dirigindo por uma estrada reta e longa; essas situações em que a gente se desliga de si. O que “ela” escreve não é o que sinto ou penso. Não sei de onde vem.
No período pré-islâmico, os árabes acreditavam que poetas eram assombrados por um espírito, um gênio (jinniy) que neles habitava e lhes ditava versos. Tranqüiliza, saber que desde sempre foi assim.
Recentemente, um aluno, numa oficina literária, me mostrou que “Virgínia” contém o som “jinniy”. Espantoso, porque chamei assim “aquela que escreve versos” muito antes de ouvir falar em poesia pré-islâmica!

4. Já não há “gerações”, “escolas”, sequer “tendências”. Como você se situa nessa liberdade geral?

Erorci Santana - Mas eu nunca acreditei em gerações, escolas ou tendências. Acredito no espírito da época. Esse espírito é que nos rege; vibramos com ele na medida de nosso talento. Eu me sinto à vontade para criar quando a poesia quiser, com as janelas da alma escancaradas para a entrada desse sopro que faz a essência do poeta.

Ieda Abreu - Independente de escolas, gerações e tendências, mas respeitando influências, mestres, me situo no tempo presente, sempre.

Betty Vidigal - Poemas são sempre individuais. Mesmo os poetas da mesma 'geração' ou 'escola' são diferentes uns dos outros. Podem ser ligados por laços de amizade, por afinidades estéticas, ou foram reunidos, depois de mortos, por quem os estudou. Não existe poesia coletiva, não é atividade de equipe.

5. Vê utilidade na poesia ou se trata de um ato gratuito? Holderlin disse que é a mais inocente das atividades. Também a mais perigosa. Comente.

Erorci Santana - Rejeito a idéia da poesia como inutensílio. Mesmo porque um poeta epidérmico e visceral como Rilke, sem a poesia, não se sustentaria um minuto em pé. A poesia é o andaime dos seres líricos. É matéria viva e, como tal, integra a cadeia alimentar dos espíritos refinados. Como, então, pode ser inútil ou gratuita?
A afirmação de Holderlin, fundada no paradoxo, é improdutiva e não leva a lugar algum. De qualquer modo, não sei como ver inocência no gesto da poesia. Não há inocência nem no bruxo nem em seu caldeirão. Que é uma atividade de alto risco eu não tenho dúvida. A poesia sonda territórios desconhecidos, em muitos casos tira véus com mais eficácia do que a ciência, antecipa o futuro. Comecei a ter essa percepção do caráter vaticinador da poesia no momento em que algumas coisas que escrevi aconteceram, como um milagre. Felizmente a poesia nunca se desaparta do assombroso, do maravilhoso. Poesia, como o nascimento da vida, consegue ser, a um só tempo, epifânica e dolorosa.

Ieda Abreu – Poesia não combina com utilidade. Nada é gratuito. Quanto a ser inocente e perigosa, é a visão de Holderlin.

Betty Vidigal – Não é útil. Não serve pra nada. É só incontrolável. Ninguém faz poesia porque quer. Para um poeta, é tão inevitável quanto respirar. Para os outros, não sei.

Erro nas instruções do Blogger...

Uma das páginas acessadas, ao se criar aqui um novo blog, diz:  "Páginas a serem exibidas".

Este é um dos erros mais comuns, hoje. A maior parte das pessoas acredita sinceramente que o infinitivo deve ser sempre flexionado. Não: não deve.

Depois da preposição "a", NUNCA!

O correto, portanto, é "Páginas a ser exibidas".