sexta-feira, 4 de junho de 2010

Coincidências: Poesia no Minhocão

Dia desses escrevi um poema sobre um casal vivendo ao lado do Minhocão. Tava, claro, naqueles hieróglifos que são a minha caligrafia ao escrever poemas. (pra outras coisas, minha letra é até bonitinha.)

hoje de manhã, ao acordar, resolvi "passar a limpo" (nunca escrevo poesia direto no computador). Levo dias e/ou meses até ter ânimo de "passar a limpo". Às vezes, anos.

Bom.. mas esse, hoje de manhã resolvi digitar e arquivar. O título seria algo como "Morar junto ao Minhocão"

Aí... desci, peguei o jornal -- e caramba!, na primeira pg do Caderno 2, o título do artigo principal era: "Há poesia no Elevado?"

quase caí dos tornozelos.






(pra quem não mora em SP: Elevado=Minhocão)


P.S.: Não moro perto do Minhocão... e nem moro em prédio.




MORAR JUNTO AO MINHOCÃO


E se as pessoas trancadas nos carros soubessem
que a cinco metros do aço dos seus paralamas
um casal se desmancha sobre a cama?

O ruído das freadas nos embala,
o anda-e-para ritmado hipnotiza,
e as pessoas fechadas,
de rádio ligado,
nem imaginam o que há por trás desta cortina:

você brinca de exibir-me na janela,
mas ninguém vê nada por trás dela.
Você me abre mais para a platéia,
e a cortina rendada nos protege.

Sua língua passeia e serpenteia,
mas nem mesmo o vizinho saberia
se esse ruído são os meus gemidos
ou o som das embreagens,
se meu grito
ou o guincho de uma súbita freada.

Através da renda entrebaerta
o poliéster recorta a luz do dia,
mas a penumbra do quarto nos guarda
dos olhares. Somos invisíveis.

Persianas de alumínio repercutem
em uníssono o trânsito parado
e motoristas no ar-condicionado
pensam no dia à frente, no trabalho.
Você me beija enquanto eles planejam.

E se os carros se movimentassem
de repente no seu ritmo, em balé,
frente-ré, frente-ré, frente-ré
e quando você no fundo para e explode
provocássemos um desastre enorme,
um engavetamento universal,
todos os carros colidindo e coisa e tal?

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