domingo, 4 de outubro de 2009

Harold Bloom fala de Fernando Pessoa






Encontrei na Wikipedia a seguinte frase: "No livro The Western Canon, o crítico literário estadunidense Harold Bloom considerou-o o mais representativo poeta do século XX, ao lado do chileno Pablo Neruda."

Não acreditei. Não pode ser verdade. Um crítico literário português ou brasileiro poderia dizer isso. Não Harold Bloom! Nenhum crítico americano diria q um escritor q escreve em Português ou Espanhol foi "o mais" qq coisa de algum século! Assim como nenhum francês diria isso de alguém q não escreve em Francês... Para cada um deles, "o maior poeta do mundo" é sempre alguém q escreveu em sua língua.

Naturalmente, fui investigar.

Encontrei uma entrevista à revista Época. Lá estão, entre mtas outras, a seguinte pergunta e a seguinte resposta:

ÉPOCAO senhor cita Fernando Pessoa entre os grandes escritores no Cânone Ocidental. Agora inclui Machado de Assis. Por que ele é gênio?
Bloom – Leio em português com certa fluência. Gosto muito de José Saramago, somos bons amigos, embora eu não concorde com a posição dele em relação à guerra contra o terrorismo. Ele é comunista, respeito as idéias dele, mas não concordo. É um bom escritor. Em poesia, a língua portuguesa legou Camões e Fernando Pessoa. Na ficção, adoro Eça de Queirós e Machado de Assis. Considero Machado o maior gênio da literatura brasileira do século XIX. Ele reúne os pré-requisitos da genialidade: exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo. Procuro um grande poeta brasileiro vivo. Ainda não o encontrei. Conheço Carlos Drummond de Andrade e ouvi falar de Guimarães Rosa, que adoraria ler. Não sei se terei tempo.

(Perceba-se q ele não mostra, nessa entrevista, tanto entusiasmo pelo 'nosso' Pessoa como assevera a Wikipedia!)

Vejamos então o q foi q ele de fato escreveu, em The Western Canon, na pg. 451 do livro, edição de 1995. O capítulo se chama: "Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português". Em resumo: nosso Pessoa não passaria de uma versão portuguesa de Walt Whitman, na visão do crítico estadunidense...

"As a foil to the latin American poets I offer the amazing Portuguese poet, Fernando Pessoa (1888-1935), who as a fantastic invention surpasses any invention by Borges.
Pessoa, born in Lisbon and descended on the paternal side from Jewish conversos, was educated in South Africa and, like Borges, grew up bilingual.

Indeed, until he was twenty-one, he wrote poetry only in English. In poetic eminence Pessoa matches Hart Crane, whom he precisely resembles, particularly in Mensagem ("message" or "summons"), a poetic sequence on Portuguese history that is akin to Crane's Bridge. But powerful as many of Pessoa's lyrics are, they are only one part of his work; he also invented a series of alternative poets - Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis among them - and proceeded to write entire volumes of poems for them, or rather as them. Two of them - Caeiro and Campos - are great poets, wholly different from each other and from Pessoa, not to mentin Reis, who is an interesting minor poet.

Pessoa was neither mad nor a mere ironist; he is a Whitman reborn, but a Whitman who gives separate names to "my self", "the real me" or "me myself", and "my soul", and writes wonderful books of poems for all three of them as well as a separate book under the name of Walt Whitman. The parallels are close enough not to be coincidences, particularly since the invention of the "heteronyms" (Pessoa's term) followed an immersion in Leaves of Grass. Walt Whitman, one of the roughs, an American, the "myself" of Song of Myself, becomes Álvaro de Campos, a Portuguese Jewish ship's engineer. The "real me" or "me myself" becomes the "keeper of the sheep", the pastoral Alberto Caeiro, while the Whitmanian soul transmutes into Ricardo Reis, an Epicurean materialist who writes Horatian odes.

Pessoa provided all three poets with biographies and physiognomies and allowed them to become independent in regard to him, so much so that he joined Campos and Reis in proclaiming Caeiro as his "master" or poetic precursor. Pessoa, Campos and Reis were all influenced by Caeiro, not by Whitman, and Caeiro was influenced by no one, being a "pure" or natural poet with almost no education who died at the High Romantic age of twenty-six. Octavio Paz, one of Pessoa's champion's, summoned up this fourfold poet with a fine economy: "Caeiro is the sun in whose orbit Reis, Campos and Pessoa himself rotate. In each are particles of negation or unreality. Reis believes in form, Campos in sensation, Pessoa in symbols. Caeiro doesn't believe in anything. He exists."

The Portuguese scholar Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, who has emerged as Pessoa's canonical critic, interprets the heteronyms as his "reading, half in complicity, half in disgust with Whitman, not only of Whitman's poetry, but also of Whitman's sexuality and politics." Pessoa's barely repressed homoeroticism emerges in Campos' furious masochism, which is hardly Whitmanian; and the democratic ideology of Leaves of Grass was unacceptable to a Portuguese visionary monarchist.

Although Ramalho de Sousa Santos attempts to evade Pessoa's anguish of contamination in regard to Whitman, influence anxieties are not easily mocked. Like D. H. Lawrence in Studies in Classic American Literature, Pessoa-Campos manifests an enormous ambivalence towards Whtiman's ambitious embraces of the cosmos and everyone in it; and yet Pessoa seems to know, far better than his idealizing critics, how impossible is to sever his poetic selves from Whitman's, despite the marvelous fiction of the heteronyms. Even Ramalho de Sousa Santos, after attempting a Feminist evasion of the burdens of influence, brilliantly returns to the harsh realities of temporal filiation, of the poetic family romance:

From the implicit dialogue in Whitman between me and the Me Myself, Pessoa carved two explicit distinct images of voice. Whitman, earlier, by the virtue of a connective, organic consciusness, was able to weave these two voices together into one dynamic whole."

O q Bloom diz aí é bem diferente do q nosso ufanismo gostaria de ler. Ele elogia Pessoa, mas diz q nosso Fernando escreveu sob forte influência de Walt Whitman (discordo, tá?).
Em nenhum momento Bloom diz q Pessoa foi o "mais representativo poeta do século XX", como afirmava* a Wikipedia.... E tb não diz isso de Lorca nem de Neruda, como afirmam vários sites portugueses.


* afirmava: Não afirma mais, pq corrigi a info. E se alguém discordar da correção, ponhamos isso em discussão lá mesmo. Felizmente a Wikipedia permite discussão, assim como permite alteração dos verbetes.

Estou com preguiça de traduzir, então pego uma tradução q encontrei pronta:


"Como contraste aos poetas latino-americanos, apresento o espantoso poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935), que, enquanto invenção fantástica, ultrapassa qualquer criação de Borges. [...] Pessoa não era louco nem um mero ironista; é Whitman renascido, mas um Whitman que dá nomes separados a "o meu Eu", o "Eu verdadeiro" ou "Eu, eu mesmo", e "a minha alma", e escreve maravilhosos livros de poemas para os três, assim como um volume à parte com o nome de Walt Whitman. Os paralelos estão demasiados próximos para serem coincidências, em particular porque a invenção dos "heterónimos" (um termo de Pessoa) se seguiu a uma imersão em Folhas de Erva."

(De O Cânone Ocidental, Harold Bloom - Círculo de Leitores, Lisboa, 1997)

Um comentário:

  1. Adorei a pesquisa. Mas acho que o crítico - e por crítico não há como não se entender opinião pessoalíssima, como a minha agora -, se encantou mais profundamente com Pessoa do que com Whitman (sonora gargalhada), embora ele, como não latino-americano - e essa foi a sua genial sacada com relação ao que dizia o Wikipedia antes da sua intervenção -, jamais fosse assumir esta nossa estrepitosa verdade!
    Bjks,
    Cecilia Ferreira

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